quinta-feira, 29 de dezembro de 2011







Manifesto pela volta do tempo

* Por Marcelo Sguassabia


O sujeito que assina este mal-arrumado libelo, em nome de toda a humanidade (à exceção talvez dos anciãos com mais de 100, cheios de saúde e paradoxalmente fartos de viver), vem a público exigir que o tempo volte o mais rápido que puder. E que fique claro que não me refiro à volta no tempo; o que reivindico é o retorno do próprio tempo, calmo e humilde, à vida das pessoas.

É espantoso como tudo, há uns poucos anos, levava muito mais tempo para ser feito. E quanto mais vagaroso era o processo, mais tempo, estranhamente, sobrava pro cidadão.

Criava-se o porco no quintal. Matava-se o bicho. Jogava-se água fervente sobre o pêlo, a ser raspado na navalha. Abria-se a barrigada, separava-se as partes, temperava-se e deixava-se da noite para o dia mergulhado em marinada. Providenciava-se a lenha, acendia-se o fogo, cozinhava-se lentamente e degustava-se mais lentamente ainda. Era um tempo de sobra que não acabava nunca mais, de enjoar de fazer nada. De botar cadeira na calçada, chamar o vizinho pra uma breja e fomentar o diz-que-diz-que. O tempo era artigo barato, era preciso arrumar um jeito de se livrar dele. De matá-lo de alguma forma antes que ele matasse a todos de tédio. Tempo havia para debruçar na janela, jogar paciência, montar quebra-cabeça. Fazia-se a sesta, lia-se pela satisfação de ler, não pela urgência de manter-se up-to-date.

Voltando à feijoada, dessa vez à rala, insípida e inodora versão de hoje – em lata e aquecida no microondas. Não se presta atenção no que se está comendo, pois no tempo em que se engole a gororoba ao molho de flavorizantes vê-se a TV, atende-se ao celular, confere-se o extrato, pensa-se nos termos do relatório a ser entregue o mais tardar às 12h30. E são 12h20, meu Deus do céu.

Se aqui é assim, imagine lá, do outro lado do mundo. Valorizar o tempo é com os japoneses. Ninguém tem know-how mais apurado. Por algum mecanismo ancestral, sabem os nipônicos desde tenra idade que tempo é recurso não-renovável, e conseqüentemente precisam consumi-lo da mais produtiva maneira. Lá na placenta, enquanto espera ficar pronto pra vir ao mundo, o japonesinho deve aproveitar o líquido amniótico pra cultivar algum legume hidropônico. Ou já reserva aquela água que o rodeia pra abrir sua lavanderia quando nascer. Talvez ache oportuno estudar a anatomia da mãe e já ir se afiando para o vestibular. Pelo menos não vai zerar em biologia...

Melhor ainda que voltar, amigo tempo, seria ver você parado. Isso mesmo. Nem correr, nem andar, nem se arrastar. Simplesmente parar, perder a função de tempo e eternizar-nos a todos.

E vamos ficar por aqui, porque o tempo do leitor é curto e seria uma lástima continuar a desperdiçá-lo. Ainda mais comigo.


• Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: www.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) www.letraeme.blogspot.com (portfólio)

2 comentários:

  1. Foi a perda de tempo mais genial de todas que têm aparecido. Adorei perder tempo com isso, com essas gostosas considerações de como éramos fartos dele, o tempo, que agora é escasso. Neste momento, que escrevo, já estou atrasada 10 minutos e ainda preciso escovar os dentes para ir ao segundo tempo do trabalho. Maravilha de texto!

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  2. Vim agora do editorial, gosto muito de perder esse tempo lendo tudo do Literário, mas na medida do possível faço sempre essa "ginástica" com o tempo que dá tudo certo.
    Abração, Marcelo!

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