quinta-feira, 24 de novembro de 2011




Sem ambiguidades

A comunicação, para ser eficaz e satisfazer plenamente seus objetivos, precisa ser clara, objetiva, direta, limpa, que não dê a menor margem para dúvidas ou ambigüidades. Quando isso não acontece, os resultados tendem a ser opostos aos pretendidos, quando não até trágicos e desastrosos. Em vez de solucionar problemas, os amplia, quando não lhes dá origem. É este o principal aspecto a que o escritor (e todos os demais que lidam com textos) precisa atentar. Clareza é fundamental. É indispensável a uma comunicação perita e eficiente.

Li, tempos atrás, em um compêndio de história, determinado texto que me pareceu sumamente insólito, que está mais para anedota do que para relato de um acontecimento histórico (e por cuja veracidade não ponho a minha mão no fogo), mas que exemplifica a caráter o que a interpretação equivocada de determinada mensagem escrita pode provocar. Relata o tal historiador (cujo nome não me ocorre no momento) que Dario, O Grande, rei do império medo-persa, antes de determinada batalha, enviou ultimato ao inimigo, exigindo sua rendição para que assim evitasse uma carnificina.

O monarca guerreiro estava prestes a atacar os citas, povo que habitava a região Norte do Mar Negro (atual território da Ucrânia). Suas tropas estavam acampadas na fronteira e Dario resolveu dar uma última chance ao inimigo de poupar vidas e propriedades. Eram centenas de milhares de soldados que aguardavam ordens para atacar. Não tardou para que um emissário dos citas entrasse esbaforido no acampamento e entregasse ao governante medo a aguardada resposta. Estava escrita em uma linguagem pictórica, cifrada, representada por símbolos um tanto bizarros. Continha um rato, uma rã, um pássaro e algumas flechas.

Para Dario, todavia, a mensagem era clara, claríssima. Por isso, o rei ficou eufórico com o conteúdo. Reuniu seu Estado Maior e comunicou aos seus generais que, ao amanhecer, as tropas deveriam avançar, sem nenhum receio, porquanto não enfrentariam resistência. A campanha seria rápida e fácil e praticamente sem baixas.

O rei persa interpretou a mensagem dos citas da seguinte forma: “As flechas significam que o adversário irá depor as armas sem nenhuma resistência. O rato e a rã querem dizer que eles irão nos entregar, sem luta, suas terras e suas águas. E o pássaro indica que, caso os ataquemos, seus soldados irão correr de tal forma de nossas tropas que será como se tivessem asas nos pés”.

Dario, todavia, estava completamente equivocado. Sua interpretação da mensagem não poderia ser mais errada e desastrosa. Naquela mesma noite, sem esperar nem ao menos o raiar da alvorada, as tropas citas avançaram sobre o acampamento e atacaram os persas. Foi uma carnificina incrível, como raras já ocorridas na História. Os invasores sofreram uma das maiores derrotas que se tem notícia, com centenas de milhares de baixas. Humilhados, não tiveram outro recurso que não se render, após um pedido de trégua.

Finda a batalha, o general vencedor, ao aceitar a rendição de Dario, explicou-lhe que a carnificina poderia ter sido evitada. “Minha mensagem foi claríssima. Dizia que, a menos que vocês se transformassem em pássaros e voassem; em ratos e se enfiassem na terra; em rãs e se escondessem nos pântanos; não conseguiriam escapar à morte por nossas flechas”.

Claro que este é um exemplo extremo sobre as conseqüências de uma comunicação ambígua, cifrada, não clara e muito menos direta e por isso passiva de ser interpretada de formas diferentes, de acordo com os desejos (e fantasias) quer do emissor, quer do receptor. Todavia, serve a caráter para ilustrar a necessidade e a importância de se comunicar “sempre” com rigorosa clareza e precisão.

Muitas “batalhas”, pessoais, políticas, empresariais, afetivas etc. são perdidas, todos os dias, porque as pessoas interpretam as mensagens que recebem, as advertências e os ultimatos, como Dario interpretou o aviso dos citas. Em vez de buscarem o devido esclarecimento, preferem confiar no seu “entendimento”, ditado por suas emoções ou em seus instintos, em detrimento da razão. Muitas discórdias seriam evitadas, muitos prejuízos deixariam de acontecer, muitas inimizades não se instalariam se houvesse racionalidade e clareza nas comunicações. Exagero? Não, não e não!

Quantas vezes somos mal-interpretados por não nos expressarmos com correção e, sobretudo, com exatidão! Não raro nos preocupamos com “floreios” de linguagem, com determinadas metáforas que julgamos “inteligentes” (e que, na verdade, são desastradas) em detrimento da objetividade e da correção.

Livros que às vezes demandam meses, se não anos de ingente trabalho, podem ser arruinados por simples “cochilos”, por um reles parágrafo ambíguo e mal-escrito, passivo de interpretação dúbia quando não de forma diametralmente oposta à que pretendíamos. Pense nisso antes de dar qualquer texto por concluído. Revise-o cuidadosamente. E se houver uma palavra, uma única expressão que enseje dubiedade, não relute. Troque-a sem pestanejar por outra mais clara, mesmo que não tão sonora ou, simplesmente, a suprima sem vacilar.

Boa leitura.

O Editor.



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Um comentário:

  1. A escrita, por não ter entonação pode gerar todo tipo de interpretação, inclusive a total falta dela. Imagine um telegrama? Nos dias de hoje o torpedo tem múltiplas funções e não menores interpretações. Neles, todo o cuidado é pouco, inclusive a certificação de que se trata do endereçamento correto. E sobre a finalização do texto, tenho um colega jornalista de ampla experiência, que afirma que o texto perfeito não existe. No meu caso, montá-lo não demora mais do que uns vinte minutos. Então faço uma leitura rápida e o coloco para dormir. Depois, nas releituras, quando eu releio duas vezes sem mudar nada, dou por encerrado o serviço. Ainda assim acho palavras semelhantes próximas ou algum outro erro.Isso não aconteceria caso eu tivesse um revisor. Algumas vezes, antes de eu enviar, peço ao meu filho para dar uma última leitura.

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