quinta-feira, 22 de setembro de 2011



Reflexões sobre a arte


A arte é, há já décadas, tema recorrente das minhas reflexões. Algumas, reproduzo em textos e partilho com leitores. Outras tantas permanecem em algum cantinho da memória, num processo de “fermentação de idéias”!, de “gestação”, até virem à luz (quando vêm). Muitas, todavia, ainda não ganharam forma definida e permanecem, secretas para o público, como que adormecidas, em algum neurônio ou conjunto de neurônios do cérebro. Em termos concretos, pelo menos por enquanto, não passam de potencial.

Escrevi, há algum tempo, em um ensaio (amplamente divulgado quer na mídia escrita, quer na internet), o seguinte a propósito: “A arte precisa ser instintiva, natural, selvagem. Trata-se da única forma de sermos autênticos. É a nossa carta de alforria, a absoluta e irrestrita liberdade. Ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e intransferível, questão de vocação ou de talento. Ou se é ou não se é artista, não existe meio-termo”.

Ainda penso a mesma coisa a respeito, embora, com a vivência e a consequente experiência, tenha desenvolvido um pouco melhor esse raciocínio, de forma a torná-lo mais coerente e convincente. No seu devido tempo, provavelmente, partilharei com o mundo (pois não sei, e nunca saberei, quantos e quem são meus leitores) essas novas reflexões. Ou talvez, jamais o faça.

No citado ensaio, acrescentei, ainda: “Fazer arte é o modo de que cada pessoa dispõe para ser livre, para impor a personalidade, para deixar a marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir vai depender de critérios subjetivos de apreciação e avaliação dos destinatários. Mas a arte não comporta interferências e nem censuras. A liberdade de escolha do artista tem que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que, quando, como e onde criar. Pois a arte é a nossa carta de alforria. É o nosso "DNA". É o nosso ser. É a nossa vez. É a nossa voz...e única...”. E não é? Claro que sim!

Há tempos, venho planejando escrever um livro com reflexões sobre arte. Nos meus planos, todavia, ele não seria exclusivamente meu. Seria constituído por uma coleção de ensaios, confrontando (quando for o caso de confronto), ou “casando” (quando se configurar esse “casamento”) minhas idéias a propósito com as de Fernando Pessoa. E por que as dele e não de outro escritor qualquer? Ou de algum artista de outras artes, um pintor, por exemplo, ou um compositor (tanto faz se de música erudita ou popular), ou um escultor ou um coreógrafo? Por vários motivos. Um deles, é que o prolífico poeta português – mais conhecido e celebrado pelos seus heterônimos, ou seja, por assumir várias personalidades artísticas, cada qual com estilo e temática diferentes uma da outra – nos brindou com diversas reflexões acerca do “fazer artístico”.

Isso, além de poupar tempo de pesquisas – que não dariam em nada se o artista que eu escolhesse não tivesse, jamais, refletido sobre arte ou, o que é mais provável, verbalizado suas reflexões – haveria (ou haverá?) de propiciar altíssima qualidade aos referidos (e ainda só potenciais) ensaios, dada a pertinência e relevância das suas colocações.

Fernando Pessoa, por exemplo, em um de seus textos a propósito, começa por definir o objeto das nossas reflexões: “A arte é a notação nítida de uma impressão errada (falsa), (a notação nítida duma expressão exata chama-se ciência). O processo artístico é relatar essa impressão falsa de modo que pareça natural e verdadeira”. Não é, acaso, uma idéia no mínimo original, posto que polêmica, sobre o assunto? Não li nenhuma definição, sequer parecida, em qualquer livro de outro escritor, ou filósofo, ou artista etc. É simples, direta e precisa. Diria que é “cirúrgica”.

Outra colocação de Pessoa a propósito refere-se à finalidade da arte. Nesse aspecto, nós, escritores, que também somos artistas e de uma arte das mais complexas e frustrantes, a literatura, nem sempre nos damos conta. Fazemos o possível e o impossível para “agradar” o máximo de pessoas, nossas leitoras em potencial, até por razões práticas, comerciais: para vender nossos livros.

Achamos que se não o fizermos, seremos um fracasso. Na concepção de Pessoa, no entanto, esse empenho é equivocado. Explica porque: “A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar”. É esta elevação que devemos, prioritariamente, ter em conta. Caso consigamos a façanha de, simultaneamente, elevar e ainda assim agradar, muito bem. Acertaremos na mosca. Caso contrário... Com todos os riscos, nossa missão é priorizar a elevação.

Para os raríssimos artistas dos “sete instrumentos”, os que conseguem transmitir seus sentimentos e pensamentos nas várias formas de expressão artística, Fernando Pessoa também tem recomendações específicas. Escreve: “Para os sentimentos vagos, que não comportam definição, existe uma arte – a música, cujo fim é sugerir sem determinar. Para os sentimentos perfeitamente definidos, de tal modo que é difícil a emoção neles, existe a prosa. Para os sentimentos que são harmoniosos e fluidos, existe a poesia”. Raramente (provavelmente nunca) fazemos essa análise. E não raro, arruinamos excelentes temas, que redundariam em obras-primas se optássemos por expressá-los em artes mais compatíveis com eles.

Fernando Pessoa observa, ainda: “Há as artes cujo fim é entreter, que são a dança, o canto e a arte de representar. Há as artes cujo fim é agradar, que são a escultura, a pintura e a arquitetura. Há as artes cujo fim é influenciar, que são a música, a literatura e a filosofia”. Entendem, agora, a razão de eu pretender escrever o tal livro de reflexões sobre arte confrontando minhas provavelmente toscas idéias com as magníficas (algumas transcendentais) de Pessoa? Devo adiantar que nem sei se a pretendida obra será escrita ou não. A maioria dos planos de um escritor finda em dar em nada. Por que? Em decorrência, principalmente, das circunstâncias.

Existe outra possibilidade que, embora à primeira vista pareça implausível, não se pode afirmar que seja impossível. É a de, sem que me tenha dado conta, esse tal livro já ter sido escrito e eu nem tenha percebido. Como?!! Simples! Já escrevi tantos ensaios a respeito, e vários deles mesclando minhas idéias às de Fernando Pessoa, que não descarto que a reunião desses textos já componha um volume (ou até mais de um), com unidade, lógica e coerência. Se este for o caso, porém, uma coisa não posso garantir: que ele seja publicado. Isso é algo que foge por completo da minha competência. E sequer é necessário que decline a razão.

Boa leitura.

O Editor.




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Um comentário:

  1. Acho interessante essa sua capacidade de escrever enquanto pensa, numa espécie de divã. No caso a literatura tem seu inequívoco poder terapêutico.

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