domingo, 28 de agosto de 2011







Nas asas de um beija-flor

* Por Risomar Fasanaro


21 junho, sábado, tarde de sol. Caminho pelas ruas em busca da minha alma que partiu. A que velocidade corri pela vida que a deixei para trás? Ninguém pode viver sem alma, já dizem os indígenas, que evitam movimentos bruscos para que ela não se desligue do corpo. E o que é um corpo sem alma? É o vazio, a solidão, a tristeza de desviver.

Saí em busca de minha alma e fui dar no MASP-Museu de Arte de São Paulo. Na verdade estava em busca de mim mesma, por isso fui rever os quadros de Renoir “o pintor de almas”. Mas ao sair do estacionamento, em frente ao Museu, ouvi o som de um violão tocando a sinfonia da “Cantata de Bach 156” e aquele som me (e)levou e quase pude senti-la de volta. Sim, porque o que me rege, prende e me fixa foi, é, e sempre será a música. É ela que me ensopa a alma quando escrevo. É ela que me traz alegria, é ela que me tira da tristeza. Quem sabe ela teria trazido de volta minha alma?

Tão bonito era o som e tão nítido que pensei tratar-se de algum músico tocando ali, ao vivo. Não era. “Nada é perfeito” já dizia a raposa de “O Pequeno Príncipe”.O som vinha de um aparelho rudimentar, na calçada da Avenida Paulista, e o propósito era vender os CDs de um violonista de Minas.

O vendedor era um homem triste. Triste e velho. E pensei no mistério que existe entre todas as coisas. Em como a velhice é semelhante à tristeza, em como a fome é próxima da dor, e como a perda da alma tem a ver com a saudade.

Conversando com o vendedor, fiquei sabendo que o violonista era um músico independente. Alguém que passava por dificuldades financeiras, por isso seus CDs eram vendidos assim, nas ruas, longe dos shoppings e das lojas especializadas. Comprei o disco (estou escutando-o agora) e entrei no museu. Minha alma ainda não voltara.

Quem sabe a encontraria lá, onde tantas outras estão retratadas por Renoir? Lá dentro me vi cercada por dezenas de pessoas. Gente de todo lado, de todo tipo. Não consegui sequer chegar perto dos quadros. E me dou conta do que já ouvi que “a solidão não depende da ausência de outras pessoas”. Sim, solidão é alguma coisa que está dentro da gente, e se manifesta até em um Maracanã lotado.

Ao invés de paz, senti uma profunda irritação. Uma vontade de sair dali correndo e voltar para casa. Mas resolvi tomar um lanche. A lanchonete do Masp não é tão sedutora quanto o café da Pinacoteca do Estado, mas é boa. A torta de limão que eles servem também não é lá essas coisas, mas eu nunca resisto. Saborear uma torta de limão pra mim é um ato quase religioso, qualquer coisa como comer em estado de graça. Por isso pedi um guaraná, que faz parte de uma campanha para que se consuma a bebida nacional. Mas estava tão desligada, que me esqueci de pagar e só percebi isso quando cheguei em casa.

Hoje é domingo. Abri as janelas, tirei as folhas secas dos vasos de plantas, lavei minhas pedras (pedras comuns, que carregam um pouco dos rastros das pessoas comuns, e que são de todos os lugares por onde estive); tirei os sapatos e estirei-me na rede para ouvir a “Sonata ao Luar” de Beethoven. Talvez a música de que mais goste.

Mal havia deitado, ouvi o bater de asas de um beija-flor que veio beber água no bebedouro da varanda. Então me dei conta: era ela. Minha alma que tinha voltado.

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

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