sábado, 23 de julho de 2011







Política

* Por Carlos Drummond de Andrade

Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.

Entrou a tomar porres
violentos, diários
e a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos,
se só os outros poetas eram imitados.

Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à-toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso;
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.

E teve vontade de se atirar
(só vontade).

Depois voltou para casa
livre, sem correntes,
muito livre, infinitamente
livre, livre, livre que nem uma besta,
que nem uma coisa.

• Cronista, contista e, sobretudo, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.

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