quinta-feira, 21 de julho de 2011







Duña explica “bulhufas”

* Por Marcelo Sguassábia


Ilustração: Thiago Cayres

Aproveito o ínterim entre o escalda-pés das quatro e meia e o das sete e quarenta e cinco para uma lauda de esclarecimento acerca do real significado de algo que permeia nossas vidas, da primeira escovação de dentes até a hora de vestir as ceroulas: BULHUFAS.
O Dicionário Houaiss define o termo como “coisa alguma; nada”. Balela do ilustre filólogo! Fosse assim tão vazia, a expressão não teria atravessado os séculos e chegado incólume aos dias de hoje, onde é empregada com tanta frequência e propriedade – de discursos parlamentares a teses de pós-doutorado, passando pelos blogs de autoajuda e tabloides sensacionalistas.
Incorporado à norma culta, não são raros os sonetos e contratos de seguradora que aplicam BULHUFAS ao seu escopo. E estranharíamos se assim não fosse, pois sua importância é de tal envergadura que chega a ser referência de grafia quando se soletra alguma coisa. Nas ligações de telemarketing, vira e mexe nos deparamos com a operadora dizendo: “A” de Abelha, “B” de BULHUFAS, “C” de Casa, e por aí vai.
Mas nem tudo são glórias no caminho da inserção definitiva de BULHUFAS à língua de Camões. Estejam meus devotados seguidores avisados de que zombeteiros vêm disseminando, levianamente, uma acepção equivocada e difamante de BULHUFAS, atribuindo-lhe o sentido de negação de entendimento. Assim, propagam aos quatro ventos absurdos semânticos como “Não entendi BULHUFAS”, em contexto análogo a “Não entendi patavina” ou “Não entendi necas de pitibiriba”. Nunca tais nefelibatas estiveram tão distantes da luz da verdade, e a infâmia que hoje cometem a eles retornará carmicamente em encarnações vindouras. Assim é a lei Duñesca, justa e inapelável, que recompensa ou pune o homem conforme seu merecimento.
Ora, hão de convir meus contritos discípulos que, se alguém diz "Não entendi BULHUFAS" está na verdade afirmando que entendeu tudo, caso contrário diria "Entendi BULHUFAS". Está clara a fundamental e necessária distinção? Da mesma forma, os que declaram "não entender patavina" não entendem patavina sobre “patavina”. E os que se arvoram a dizer "não entendi necas de pitibiriba" não entendem necas de pitibiriba de "necas de pitibiriba", ressalvando aqui que, etimologicamente, "Pitibiriba" tem raízes morfológicas no tupi-guarani, língua a que me dediquei com afinco quando estas barbas que me envolvem o rosto ainda eram negras como a asa da graúna.
Com a autoridade que os céus me investiram e com o mérito que fez de mim o líder inconteste desta seita, afirmo que é blasfêmia das blasfêmias a forma com que alguns inconsequentes reduzem BULHUFAS a termo raso e sem função. Incorrem em erro crasso os que lhes dão ouvidos, estando sujeitos à expulsão sumária da Ordem Duñesca os fiéis que doravante fizerem uso inapropriado do vocábulo, incluindo aí sua forma abreviada, sem o "BU" original, ou seja, "LHUFAS".
Publique-se esta missiva, que a partir desta data passa a ter força de Decreto, o qual selo agora com meu lacre cor de abóbora, meu brasão de família e minha firma reconhecida pelo tabelião de notas desta província.

• Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: www.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) www.letraeme.blogspot.com (portfólio)

Um comentário:

  1. Marcelo, conhecia a expressão "necas de pitiritiba", trazida da Natal pelo meu ex-marido. Quando se trata de falar sobre nada durante uma lauda inteira, você dá nó na língua, vai e volta sem se perder. Um achado para nós.

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