quarta-feira, 27 de julho de 2011



Arguto observador

O escritor, desde que seja atento ao que ocorre ao seu redor e, por extensão, no mundo, tem condições de fazer extrapolações, com razoável margem de acerto, de tal sorte que sejam interpretadas pelos afoitos e desavisados como “profecias”. Que me perdoem os crédulos, mas a mínima lógica sugere a impossibilidade de haver profetas de fato. Ninguém tem condições de prever, e muito menos com absoluto rigor, com 100% de exatidão, aquilo que não aconteceu. Isso é um mito. O que alguns fazem são extrapolações. Reúnem dados precisos sobre o que aconteceu e, mediante raciocínio lógico, extrapolam o que “pode” acontecer. Às vezes acertam e outras tantas (a maioria?) não. Quando erram, ninguém sequer se lembra.
Agora responda-me, sem pestanejar, você sabe (ou se lembra) quem fez estas afirmações (algumas bastante ousadas)?: “A maioria das pessoas está ligada a um tempo anterior, mas você deve estar vivo em nosso próprio tempo”. “Hoje, o tirano governa não pelo cassetete e pelo punho; mas, disfarçado em pesquisador de mercado, ele conduz seu rebanho pelos caminhos da utilidade e do conforto”. “Para o homem primitivo, a noção de espaço era um mistério incontrolável. Para o homem da era tecnológica é o tempo que tem esse papel”. “Os anúncios são a arte das cavernas do século XX”. “O rock and roll é a maior renovação artística desde Homero”.
Tudo isso foi dito, ou mais propriamente escrito, por Herbert Marshall McLuhan, cujo centenário de nascimento vem sendo comemorado no Canadá e lembrado em várias partes do mundo. Alguns, caracterizam-no como filósofo e educador. Outros, vêem nele um “profeta” da modernidade. Pode ser tudo isso, mas, sobretudo, ele foi, mesmo, um escritor. E por que afirmo isso com tanta convicção? Porque esse intelectual – que nasceu em Edmonton em 21 de julho de 1911 e morreu em Toronto em 31 de dezembro de 1980 – tem, como formação acadêmica, a Literatura Inglesa Moderna, curso em que se graduou em 1934.
É verdade que nem escreveu tanto. Publicou, apenas, seis livros, todos traduzidos para os principais idiomas e a totalidade deles lançada no Brasil: “A galáxia Gutemberg, a formação do homem tipográfico” (Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira, 1969, Editora da Universidade de São Paulo), “Os meios de comunicação como extensões do homem” (Tradução de Décio Pignatari, 1969, Editora Cultrix), “O meio é a mensagem” (Tradução de Ivan Pedro Martins, 1969, Editora Record), “Guerra e paz na Aldeia Global” (Tradução de Ivan Pedro Martins, 1971, Editora Record), “Do clichê ao arquétipo” (Tradução de Ivan Pedro Martins, 1973, Editora Record) e “McLuhan por McLuhan, conferências e entrevistas” (2006, Editora Ediouro).
Observe-se que todas essas obras são voltadas para a área de comunicação que, queiram ou não, dada não somente a miraculosa evolução tecnológica, mas também a conceitual, revolucionou o mundo, expandiu a civilização e transformou o Planeta, de fato, na metáfora preferida desse pensador e a mais citada das tantas criadas por ele: “aldeia global”. Não por acaso, McLuhan é visto como o “pai” do conceito de globalização. Sem tirar seus méritos, o que esse escritor fez foi prever o óbvio. Não se tratou, pois, de nenhuma “profecia”. Foi um exercício de extrapolação.
Outras metáforas popularizadas por esse polêmico canadense, cujas idéias, nos anos 60 do século XX, eram uma febre, mania, até modismo, citadas por todos tanto no contexto que ele criou, quanto fora dele, são as expressões “impacto sensorial”, “o meio é a mensagem” e, sobretudo, “aldeia global”. Não foram somente os veículos de comunicação que “encolheram” o Planeta, aproximaram povos, misturaram culturas e determinaram novos comportamentos. Foram, também, os transportes, notadamente os aéreos intercontinentais.
Vocês já imaginaram as dificuldades para promover, no início do século XX, algum grande evento internacional, não importa se artístico, esportivo ou de outra natureza qualquer? Os meios de locomoção eram lentos, desconfortáveis e inseguros. Para se deslocar, por exemplo, da Europa para a América do Sul, para participar da Copa do Mundo de 1930, no Uruguai, a primeira da história, as seleções européias tiveram que recorrer a navios, numa travessia cansativa e desgastante de semanas.
Daí poucos países terem participado desse evento. Hoje, em algumas poucas horas, viaja-se, com conforto e segurança, de qualquer parte do mundo para outra. Daí o sucesso e o crescente interesse de Copas do Mundo não somente de futebol mas de todas as modalidades esportivas, de Jogos Olímpicos e de tantas outras promoções, inclusive megashows de artistas de toda e qualquer parte. Transportes rápidos e comunicações eficientes, de fato, encolheram o Planeta. Fizeram dele, sem dúvida e sem nenhum exagero, a “aldeia global” que é hoje, que, é mister ressaltar, não traz somente vantagens (aliás poucas), mas muitos problemas e distorções. Mas... este assunto é para ser tratado em detalhes em outra ocasião.
Marshall McLuhan teve a grande virtude de dar o devido valor a estes avanços e extrapolar suas conseqüências. Cometeu exageros? Sim, e muitos. Nem tudo o que disse ou escreveu pode ou deve ser tomado ao pé da letra. Uma das suas conclusões precipitadas, por exemplo, é a de que “o rock and roll é a maior renovação artística desde Homero”. Não nego a importância desse ritmo (embora não esteja entre minhas preferências musicais). Mas daí a concluir o que McLuhan concluiu... não deixa de ser tremenda bobagem, talvez (ou provavelmente) ditada pelo retumbante sucesso dos Beatles na época em que deu essa declaração.
Caso o polêmico escritor canadense fosse, mesmo, “profeta” da modernidade, título que muitos lhe atribuíram (e ainda lhe atribuem), teria previsto com exatidão, com décadas de antecedência, o caráter revolucionário, por exemplo, do computador pessoal. Não previu. Ou, e principalmente, as tremendas facilidades proporcionadas pela internet, esse imenso “oceano de informações”, em que navegamos com desembaraço todos os dias. Também não fez a menor referência a algo sequer parecido. O veículo que ele elegeu como aquele que iria massificar a cultura e a informação foi a televisão, que no seu tempo começava a deixar os limites locais para se internacionalizar, diria, se “mundializar”, graças as satélites de comunicação.
Das conclusões de Marshall McLuhan, uma das minhas preferidas é a que alerta os omissos e acomodados: “Não existem passageiros na espaçonave Terra. Somos todos tripulação". Citei-a em inúmeras ocasiões, muitas vezes cometendo o pecado mortal da omissão do devido crédito, já que essa afirmação se popularizou de tal sorte, que praticamente caiu no domínio público. A despeito de algumas restrições que apontei nestas reflexões, todavia, reconheço (e nem poderia deixar de fazê-lo) Marshall McLuhan como um dos mais argutos observadores que conheci (se não o mais) e, por isso, lhe rendo a mais profunda reverência.

Boa leitura.

O Editor.

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