domingo, 19 de junho de 2011







Poesia como ação

* Por Pedro J. Bondaczuk

A poesia, para os que não estão afeitos à Literatura, ou que, mesmo tendo noções (profundas ou superficiais, não importa) dessa nobre atividade intelectual, não apreciam, por uma razão ou por outra, o gênero, por eventual e particular idiossincrasia, é encarada, por alguns, como uma espécie de arte menor, como um conjunto de palavras na maioria das vezes sem nexo e sem sentido lógico, quando não como “coisa de desocupados”.

Há os que vão mais longe e que, esquecidos (ou mal-informados) sobre os poetas guerreiros, preconceituosamente consideram quem se dedica a compor versos, não importa sobre qual tema, como “efeminados”! Burrice das burrices! Luiz Vaz de Camões pode ser considerado como tal? E Victor Hugo? E Vladimir Maiakovski? E Drummond, Bandeira, Borges, Octávio Paz e tantos e tantos outros? Claro que quem pensa dessa maneira (e há muitos!), não passa de um sujeito ignorante, inculto e que não faz nenhuma questão de ser esclarecido. Talvez nem seja possível seu esclarecimento...

Convém lembrar que, antes mesmo do homem ter criado a escrita, poetas de extraordinário talento (como Homero, por exemplo), compunham extensas e magníficas obras poéticas, que eram transmitidas, oralmente, geração após geração, para que não viessem a cair no esquecimento e se perder, encaradas (com justiça) como patrimônio cultural e artístico (quando não religioso, histórico e memorialístico) de todo um povo e da humanidade.

Quem seria competente, criativo e talentoso o suficiente para compor, por exemplo, uma “Ilíada”, ou uma “Odisséia” (apenas para citar os dois mais notáveis poemas épicos de todos os tempos), nos dias atuais? Provavelmente ninguém, apesar das facilidades de comunicação, de informação e de preservação das obras de arte hoje existentes. E alguém, por mais estúpido e ignorante que seja, pode considerar os versos de Homero coisas de um “efeminado”? Quem se atreveria?!

O termo “poesia” é de origem grega e seu significado verdadeiro é o de ação, de prática, de dinamismo, de atitude humana na construção de seus caminhos. Um dos escritores que mais viveram o sentido dinâmico da poesia (que é o verdadeiro), foi o chileno Pablo Neruda.

O poeta participou ativamente dos problemas políticos e sociais do seu país, tomando seus conterrâneos não apenas como temas dos seus versos, mas como destinatários de sua militância ideológica, de sua utopia, de seu sonho de liberdade e de igualdade, expondo vida e carreira por esse ideal.

Neruda fez da poesia sua maneira de atuar na sociedade. Com ela, tocou fundo nas chagas sociais de seu país, de seu hemisfério, do mundo e de seu tempo, representadas pelas profundas diferenças de classe, pelos descabidos privilégios de uns poucos (sem qualquer lógica ou fundamento), em detrimento da imensa e esmagadora maioria dos habitantes da Terra. Comportamento, aliás, tido e havido como justo, correto e normal em quase todo o Planeta e que classifica os homens não pelo que são, mas pelo que têm.

A despeito de sua militância, que o levou ao exílio da pátria que tanto amou, o extraordinário poeta chileno não se dedicou exclusivamente à política. Variou seus temas, criando encantamento e magia, com a frágil matéria-prima das palavras, tendo por objeto pessoas, coisas, idéias, sentimentos e circunstâncias. Um dos poemas mais belos, vigorosos e expressivos da Literatura mundial, em especial da latino-americana, que está entre os que mais aprecio, é de sua autoria. Consta do livro autobiográfico “Confesso que vivi”.

Apesar da sua extensão, não resisto ao desejo de compartilhá-lo com o leitor. Sintam a força, a convicção, a verdade e a beleza desses magistrais versos de “A Palavra”: “Sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam./Prosterno-me diante delas./Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as./Amo tanto as palavras./As inesperadas./As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem./Vocábulos amados./Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho./Persigo algumas palavras./São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema./Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas./ E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as./Deixo-as como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda./ Tudo está na palavra./Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que lhe obedeceu./Têm sombras, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes./São antiquíssimas e recentíssimas./Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada./Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos./Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo./Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas./Por onde passavam a terra ficava arrasada./ Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui, resplandecentes...o idioma. Saímos perdendo./Saímos ganhando./Levaram o ouro e nos deixaram o ouro./Levaram tudo e nos deixaram tudo./Deixaram-nos as palavras”.

Pablo Neruda ilustra, portanto, à perfeição, a grandeza, a importância e a capacidade de mobilização dos poetas. Sejamos ou não influenciados pela ideologia que professou...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

2 comentários:

  1. Poema próximo do celestial. Devo estar mais sensível hoje, pois tanto o editorial quanto o poema de Neruda me arrancaram lágrimas.

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  2. Muito oportuno lembrar Neruda que participou através da poesia dos problemas políticos e sociais de seu país. Valeu, Pedro!
    Abração

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