quinta-feira, 23 de junho de 2011







Exemplo de grandeza


* Por Pedro J. Bondaczuk


O poder da vontade é praticamente ilimitado. Conheço inúmeros exemplos de pessoas feridas pela natureza, que nasceram com alguma deformidade ou limitação física, ou que ficaram assim em decorrência de alguma doença ou de acidentes, e conseguiram reagir. Superaram suas limitações, livraram-se da autopiedade e da tendência natural para a revolta e a amargura e realizaram maravilhas, que espantam aqueles que nunca tiveram que passar por experiências tão traumáticas. Foram vencedoras.

Há anos, em entrevista que dei e que foi publicada no "Correio Popular", quando perguntado quais as pessoas que eu mais admirava, pelas lições que podia extrair de sua conduta, citei três, por razões bastante diversas e com realidades muito diferentes: Abraham Lincoln, o "Mahatma" Gandhi e Helen Keller.

Dessas, a última tinha a minha preferência. E não apenas pela saga de superação que empreendeu. Não só por vencer suas deficiências e se transformar em uma peça de grande utilidade à família e à sociedade. Mas pelas lições de vida que proporcionou, mediante palestras, conferências, artigos e livros. Ou seja, Helen Keller repartiu a sua experiência e força interior com centenas, milhares, milhões de pessoas, não apenas nos Estados Unidos, mas através do mundo.

Tempos depois, a esses ídolos acrescentei outros. Um deles foi o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, que permaneceu encarcerado por longos e penosos 27 anos, por sua luta incansável contra essa chaga moral, que foi o sistema racista do "apartheid". Todavia, em momento algum cedeu. Manteve-se firme em suas convicções, quando o mais cômodo e mais prudente seria abrir mão delas e retroceder.

Essa determinação fez com que esse magnífico líder político saísse do "inferno" das masmorras sul-africanas direto para a glória, promovendo a pacificação e integração racial em seu país, o que pareceu, durante muito tempo, missão impossível. O mais bonito em Mandela, além da sua firmeza de caráter, é a capacidade de perdoar.

Libertado, jamais teve palavras amargas, ou atitudes de rancor, ou sentimentos de vingança contra seus algozes. Não perseguiu os que o encarceraram. Nunca se valeu do cargo de presidente para se autopromover. E nem precisa disso. Sua grandeza moral ressalta em cada gesto, ato ou palavra. Estampa-se em seu rosto simpático e em seu sorriso espontâneo. Mandela é daqueles que "sorriem com os olhos". Ou seja, traz a marca da sinceridade, da bondade, da autenticidade.

Promoveu a conciliação nacional e com sua intuição e o respeito que conquistou entre seu povo – negros e brancos, indiferentemente – é hoje uma garantia aos sul-africanos de que eles podem conseguir a sonhada democracia multirracial, capaz de servir de modelo e inspiração para outras sociedades com idênticos problemas.

Apesar dessa admiração irrestrita por Mandela, a pessoa que mais me impressionou por sua vitória pessoal e mais me influenciou na vida foi mesmo Helen Keller. Imagine o leitor o que é estar privado de visão. Terrível, não é mesmo?! Acresça a isso a perda da audição e em tenra idade. Automaticamente, fica-se sem o domínio da palavra. O mundo fica escuro e silencioso. Só o tato, o olfato e o paladar comprovam a alguém nessas condições que está vivo.

Um indivíduo atingido por tamanha provação é, sobretudo, solitário. Pode comunicar-se, somente, consigo mesmo, embora dependa dos outros para tudo: para comer, beber, banhar-se, vestir-se etc. Pois este era o mundo de Helen Keller: escuro e silencioso. Um dia, com a ajuda de outro ser extraordinário, Anne Sullivan, conseguiu romper esse terrível isolamento, essa "masmorra" física, muito pior do que aquelas em que Mandela foi encerrado.

Mediante o contato dos dedos mágicos e amorosos de sua "guia", na palma de sua mão, foi estabelecido todo um código, inicialmente de letras, depois de palavras, de sílabas, de diálogos, de vida... Foi a libertação. Helen aprendeu a falar e muitas outras coisas. Fez os cursos primário, secundário e universitário. Dominou suas limitações por completo. Integrou-se ao mundo. Em vez de aceitar a "masmorra" da solidão, soube libertar-se.

Eis o comovente testemunho que deu dessa magnífica vitória pessoal no seu livro "Teacher": "Não foi o acaso que libertou meu espírito e sim o talento de uma professora nata. Annie Sullivan nunca foi a mestra-escola solteirona, retratada em alguns artigos que tenho lido. Era uma moça cheia de vida, cuja imaginação a fez conceber o sonho sem par de moldar uma criatura cega e surda de maneira a fazê-la atingir a plenitude de um ser humano útil e normal".

Eis outra característica de Helen Keller, que a tornou tão notável: a gratidão. Não aquela hipócrita e babugenta, manifestada somente por palavras, em geral piegas, que se vê amiúde por aí. Foi um sentimento sincero, honesto e autêntico. Veio acompanhado de lucidez e da certeza de que mereceu a oportunidade que uma alma generosas e ímpar lhe proporcionou. Este é o exemplo de grandeza que mais prezo e que procuro imitar, por se originar do único tipo de poder que vale a pena possuir: o da vontade!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Ah, já acabou? Estava adorando a história de Helen Keller. Não é a primeira vez que você fala dela. De fato as anormalidades físicas são barreiras altíssimas, mas que podem ser vencidas, embora no caso, tenham sido quase intransponíveis. Que doença ela tinha? Conheço uma pessoa que tem retinose pigmentar, e junto com a irmã, apresenta cegueira e surdez.É uma doença familiar, crônica e progressiva.

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