quinta-feira, 30 de junho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Definição de rumos

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Caminhos da liberdade”.

Coluna Aventuras em paradoxo – Fernando Yanmar Narciso, crônica “Fácil demais”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto,“Testamento de Hypólito Rufino Peixoto”..

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto “Alguém me segue”..

Coluna Porta Aberta – Ademir Antonio Bacca, poema “Encantamento”..

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Definição de rumos


O homem tem que definir objetivos, estabelecer metas, determinar um rumo razoavelmente possível de conduzi-lo ao sucesso. Sem isso, não chegará a lugar algum, a não ser ao destino comum de todos os seres viventes, animais ou vegetais: a morte. E esta, infelizmente, é a única e rigorosa certeza que temos. Sem essa espécie de “roteiro”, o homem caminhará em círculos, sem chegar a lugar algum e exaurindo as forças por nada. Nossa jornada no mundo caracteriza-se pelo incerto, pelo desconhecido, pelo casual. Quando nascemos, não nos acompanha nenhum manual de instruções dando conta de como devemos proceder para funcionar bem. Nós é que temos que descobrir como fazer isso.

Para traçar rumos corretos – profissionais, pessoais e até mesmo, ou principalmente, espirituais – é necessário que as pessoas entendam que vivem por alguma razão e que esta não se restringe a comer, beber, dormir, reproduzir-se e morrer, para que sua descendência percorra o mesmo ciclo indefinidamente, buscando apenas, e quando muito, conquistas materiais e a satisfação dos sentidos.

Frise-se que o fato de se estabelecer objetivos não dá nenhuma certeza a ninguém de que eles serão atingidos, mesmo que sejam aparentemente factíveis e fáceis de alcançar. Contudo, essa atitude prudente concentra forças em determinado alvo, evita a dispersão e, até pela lógica, proporciona mais condições de sucesso. Evita, por exemplo, ações erráticas e contraditórias, que nos fazem marcar passo e que não permitem que se saia do lugar. Organiza, enfim, a vida das pessoas.

Não é por acaso que esse ser complexo e ainda primitivíssimo (em termos de relacionamento) é dotado de razão e livre-arbítrio. Contas com essas características para promover o próprio desenvolvimento mental e espiritual (entendendo-se aqui "espírito" como a essência do indivíduo) e, por conseqüência, o da espécie. Não vivemos sós no mundo. O convívio social implica em permanente interdependência. Assim como dependemos dos outros (e são tantos!) para sobreviver, muitos, com certeza, também dependem ou virão a depender um dia de nós.

A vida ganha novo sabor, e adquire grandeza e transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude, com suas dores e prazeres, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Mas ela apenas terá sentido, reitero, quando lhe impusermos algum. Quando estabelecermos um objetivo e empenharmos todo o nosso imenso (mas desconhecido) potencial no seu alcance.

Para alcançarmos a felicidade – que sempre está dentro de nós e que nos compete descobrir e conservar – temos que relevar nossas fraquezas, embora sem deixar de nos empenhar para superá-las. Se não superarmos todas, as poucas que conseguirmos eliminar já nos deixarão no lucro. É preciso ter coragem e forças de nos levantar sempre que viermos a tropeçar e a cair, e persistir, persistir sempre, de maneira incansável, com determinação e fé, na busca da concretização do nosso ideal. Ou seja, dos tais objetivos que estabelecermos (isso, caso os estabeleçamos, claro).

Estou convicto de que viemos ao mundo com alguma finalidade que, certamente, não é a de meramente sofrer e nem a de nos colocarmos à margem da sociedade e da vida. Compete-nos detectar e, quando não, estabelecer nossa razão de viver. Fedor Dostoievsky observa, com pertinência, a propósito: “O segredo da existência humana não reside só em viver, mas também em saber para que se vive”. Pois é, para que? Parece simples, a resposta parece óbvia, mas não é.

O fotógrafo norte-americano Edward Steichen, acostumado a flagrar as cenas mais chocantes e incompreensíveis do cotidiano, observou certa feita: "É possível compreender os estragos da bomba atômica. Mais difícil é entender o significado da vida". Aliás, tarefa dessa natureza e magnitude virtualmente raia ao impossível, dada sua complexidade. A compreensão do intrincado mecanismo vital é mais fácil e a cada dia fica mais clara.

A morfologia e o funcionamento das células, tecidos, órgãos, aparelhos e organismos vivos já perderam quase todos os mistérios. Cientistas já mapearam a totalidade dos genes humanos. Bebês de proveta há muito deixaram de ser novidade. A engenharia genética é capaz de mesclar características de diferentes espécies numa só (os transgênicos) ou de clonar qualquer um de nós, partindo de quaisquer das nossas células. Mas qual é a "razão de viver"? Qual a verdadeira finalidade da existência? Existe alguma? Há uma única? São várias? Como se vê, a questão é muito, mas muito mais complexa do que se possa supor.

Para tentar responder a essa “Esfinge”, que a cada instante nos questiona e desafia, temos o recurso da inteligência. Podemos (e devemos) usar a imaginação, essa maravilhosa capacidade com que fomos dotados de “criar” o abstrato e até o inexistente. Muitos, porém, inibem-na, reduzem seus recursos e, por conseqüência, suas possibilidades de sucesso. São os que se arrogam em “realistas” que, todavia, não sabem interpretar corretamente a tal da realidade.

O cronista mineiro, Paulo Mendes Campos, descreve, numa de suas tantas crônicas, o cenário ideal para a imaginação voar livre e veloz, em busca de dimensões e de mundos ideais. Em uma delas, intitulada “De um caderno cinzento”, datada de 17 de agosto de 1967, publicada na Revista Manchete, pincei este trecho que se refere ao cenário ideal para essas “viagens”: “Céu azul não conhece fronteira de sombra; céu azul é indispensável antes de tudo aos cegos; azul do céu não é cor, mas uma qualidade do mundo, uma luminosidade apreensível por todos os sentidos, fragrância, convivência mais delicada, concerto de sons, transparência do universo”.

Como se vê, a imaginação é, mesmo, veloz, imprevisível, mas, não raro, também dispersiva e caótica. Por isso, precisa ser direcionada, e sempre, para o lado positivo e belo da vida. Se fizermos o contrário, conheceremos o inferno e seus incontáveis sofrimentos. Tem, por isso, como campo preferido de atuação, o espaço infinito, ou seja, a imensidão sem limites, o céu sem fronteiras. Mas tudo isso deve ter uma finalidade: a de tentar concretizar os objetivos que estabelecermos. Claro, se o fizermos e, principalmente, se eles forem factíveis.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






Caminhos da liberdade

Por Pedro J. Bondaczuk


A editora Cultrix lançou, no Brasil, há um certo tempo, um novo livro do mestre espiritual Jiddu Krishnamurti, um dos pensadores mais iluminados e lúcidos do século passado, intitulado "Sobre a Liberdade". A trajetória desse espiritualista, pouco conhecido fora dos círculos místicos, mas com considerável e valiosíssima obra educativa, é das mais relevantes e espetaculares.

Nascido em 1895, na localidade de Adyar, norte da Índia, em uma família da alta casta Brahmin, desde criança destacou-se pelos exemplos de generosidade, disciplina, altruísmo e amor ao próximo. Por volta de 1889, Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, revelou aos seus discípulos que o propósito da Teosofia era o de preparar a humanidade para a vinda de Maitreya, o mestre mundial, que iria conduzir os homens à luminosa era de Aquário.

Após sua morte, Annie Besant e C. W. Leadbeater deram seqüência à sua obra e saíram em busca de um guru, de um ser iluminado, responsável por essa tarefa de preparação. Encontraram-no, em 1909, na pequena localidade de Adyar, norte da Índia. Era Jiddu Krishnamurti, então um adolescente de 13 anos, cuja aura deixava entrever "um espírito completamente livre e dotado de absoluto autodomínio".

Besant e Leadbeater "adotaram" o garoto. Levaram-no para a Grã-Bretanha, onde foi educado nas melhores escolas. Durante dez anos, ele recebeu intensivo treinamento espiritual. Além, é claro, de esmerada formação acadêmica. Com 27 anos, em 1922, Krishnamurti teve uma visão, que o convenceu que era, de fato, o escolhido para ser o precursor de Maitreya.

Essa experiência mística ocorreu na cidade de Ojai, onde viria a falecer em 1986, aos 90 anos de idade, mas em plena atividade, fazendo palestras, conferências e escrevendo livros e mais livros. Começava a sua peregrinação pelos quatro cantos do mundo, em busca de novos discípulos. Krishnamurti foi, sobretudo, um lúcido educador.

Em uma de suas inúmeras obras, estabeleceu o ponto que, provavelmente, é a chave, o resumo, a síntese dos seus ensinamentos: "As escolas existem principalmente para conseguir uma transformação profunda nos seres humanos, e a responsabilidade do educador é tremenda. Há muita diferença entre aprender e acumular conhecimentos. Aprender eleva a inteligência, acumular conhecimento apenas embota a mente e não pode solucionar nossos problemas espirituais".

Décadas antes do advento da informática e da era da comunicação total, o mestre propunha, portanto, nova visão educacional. Distinguia essa tarefa educativa do mero adestramento do indivíduo para servir de "instrumental", de mão-de-obra especializada em um sistema escravizante que o reduz a peça de uma gigantesca engrenagem. O homem, na sua visão, não é isto. Não é um número. Não é o mero "trabalhador", o "eleitor", o "pagador de impostos" etc. É muito mais do que isso. É um ser transcendental. É um universo, complexo e deslumbrante.

O que Krishnamurti apregoava, ainda na década dos 30, é visto como "revolucionário" hoje, o que dá a exata medida da sua sabedoria e visão. É apontado como o rumo, o parâmetro, o fundamento da "educação do futuro", destinada a desenvolver no aluno a capacidade e o gosto pelo raciocínio. Hoje ela não passa de um exercício enfadonho (e inútil) de transmissão de informações, de "conhecimentos enciclopédicos", a maioria dispensável, obtidos em qualquer site da Internet com o simples comprimir de uma tecla de computador.

O livro, lançado pela Editora Cultrix, é uma coletânea das melhores entrevistas e palestras do mestre. Compõe autêntico tratado sobre o tema da liberdade, o cerne dos seus ensinamentos. Ninguém mais do que Krishnamurti enfatizou tanto a necessidade do homem ser livre e educado para tal. Contudo, em toda a sua extensa obra, são reiterados os limites dessa liberdade e o perigo advindo da sua superação. Aborda a questão dos direitos humanos, a realização dos desejos, a ambição e a cobiça. Enfatiza os comportamentos que desviam a atenção do indivíduo daquele que deveria ser seu verdadeiro objetivo: a conquista do autoconhecimento, do autodomínio, da autodisciplina.

Krishnamurti defende que a má utilização da liberdade pode ser nociva, como na superpopulação do Planeta, fenômeno que provoca desequilíbrios e catástrofes, dada a limitação dos recursos terrestres.

O mestre apregoa que "existe apenas uma revolução fundamental. Não é uma revolução de idéias nem é baseada num determinado padrão de ação. Ela começa a manifestar-se quando a necessidade de usar os outros termina. É algo que surge espontaneamente quando começamos a entender a natureza profunda dos nossos relacionamentos. Essa revolução pode ser chamada de Amor". Ou seja, dois mil anos depois, Krishnamurti apregoa a mesma mensagem eterna que Jesus Cristo pregou nos vilarejos da Galiléia (a do "ama ao próximo como a ti mesmo"), a uma humanidade obtusa, violenta, egoísta e sem metas espirituais. É o óbvio tornado revolucionário...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk






Fácil demais

* Por Fernando Yanmar Narciso

Você, que viveu nos anos 70, provavelmente era hippie e falava ou ouvia falar na tal Era de Aquário, no tal século XXI, onde tudo seria diferente, enfim todos os seres vivos encontrariam a paz interior e a harmonia, blablablablabla…
Lembram-se de quando vocês, ingênuos que eram, olhavam para as estrelas e imaginavam como seria nosso futuro? Assistiam aos Jetsons, criação mediana de Hanna/Barbera, com aqueles carros voadores, edifícios de apartamento orbitando sobre a Terra, casas onde ninguém precisava saber andar, pois eram todas movidas a botões e esteiras, robôs diaristas, computadores enormes, que eram literalmente cérebros eletrônicos e até davam palpite na vida de seus donos, ônibus espaciais que eram realmente ônibus espaciais, onde podíamos entrar e dar um rolé pelo sistema solar.
Bem, aqui estamos já na 2ª década do século XXI- NA 2ª!- e NADA DE CARROS VOADORES! Já repararam que quanto mais a tecnologia avança, menos conseguimos lidar com ela? Poucos como eu devem preferir a era analógica à digital. Quando chegou o primeiro videocassete da cidade- Por coincidência o nosso!- era uma invenção maravilhosa, pois não precisávamos mais estar em casa para não perder nossos programas favoritos, nem ir mais ao cinema com tanta freqüência. Bastava programar o aparelho e deixá-lo gravando a novela ou o noticiário e ir pro bar com os amigos. E todos os aparelhos vinham com a função gravar. Atualmente temos os aparelhos de DVD e Blu-Ray. É certo que a imagem e o som são incomparavelmente melhores, mas são poucos e muito mais caros os que possuem gravadores, e não é possível acelerar trailers e logomarcas como no VHS. Eu sei que fitas cassete eram muito maiores, mais incômodas, caras e perdiam a qualidade mais rápido que um CDzinho, mas em
compensação não arranhavam ou davam “créca” quando eram filmes piratas.
Videogames… Nunca tive problema nenhum com cartuchos, apesar de uma ou outra sopradinha dentro pra limpar a poeira e ocasionalmente estragar o chip. Para todos os antigos 8 e 16 Bits havia uma verdade absoluta: Coloque o cartucho,
aperte Start 4 vezes e você já estava dentro do jogo. Parei de acompanhar a evolução da indústria no Nintendo 64, depois nunca mais coloquei a mão num controle. Hoje todos os consoles usam DVD e as mesmas leis dos aparelhos de assistir filmes valem para os videogames modernos. Tudo neles é demorado, várias telas de carregamento e filminhos de abertura que não dá para pular apertando Start. It’s evolution, baby!
Em 1984 nascemos tanto eu como o primeiro Macintosh, considerado até hoje uma das maiores revoluções da história dos computadores. Recentemente vi um vídeo onde faziam uma disputa entre o velho computador da Apple e um desktop moderno
com o Windows XP para ver qual dos dois nos levava à área de trabalho mais depressa quando ligado. Enquanto o Mac ligou em aproximadamente 5 segundos, o XP, exibido que só ele, perdia quase um minuto carregando telas e mais telas até
dar o sinal. Sem falar no quesito confiabilidade. Em sua estréia, o Macintosh iniciou instantaneamente, exibindo um verdadeiro espetáculo de som e imagem jamais visto na história da informática. Em sua estréia, o Windows 98 nos brindou com a indefectível Tela Azul da Morte, diante de um exasperado Bill Gates e uma platéia imensa.
Praticamente todas as máquinas de hoje são exibidas, como diria minha mãezinha. Até TVs e fornos microondas modernos têm ringtone para ligar e desligar. No tempo da Telefunken de madeira com o botão seletor de canais que só ia do canal 2 ao 13 e
que mais parecia um móvel da casa que um eletrodoméstico, nenhum desses barulhinhos fazia falta. A televisão só fazia algum som se NÓS deixássemos.
Humanos são fascinados com qualquer coisa que funcione com botões. Não tão antigamente precisávamos fazer um esforço danado para abrir o portão da garagem, subir os vidros do carro, bater manteiga à mão, abrir latas, torneiras, apontar lápis… Vendo por esse ângulo, quase todo mundo fazia atividades físicas mesmo sendo um tremendo sedentário. Agora temos absolutamente tudo funcionando com o apertar de um botão, e nem desconfiamos do motivo de estarmos tão gordos…

• Designer e colunista do Literário, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com






Testamento de Hypólito Rufino Peixoto

* Por Marcelo Sguassábia

Eu, Hypólito Rufino Peixoto, no gozo de meus direitos e de minhas plenas faculdades mentais, com o intuito de coibir litígios e desavenças acerca do meu espólio, venho de livre e espontânea vontade, por meio deste instrumento, deixar disposta a partilha a meu gosto, conforme abaixo descrito.
À Justina, companheira abnegada e fiel em minha longa enfermidade, deixo uma imensa gratidão, todo o meu afeto, o São Francisco de gesso que fica no corredor, o monóculo com a Nossa Senhora Aparecida, a certidão de casamento e o retrato da lua-de-mel em Poços de Caldas.
Ao meu cunhado Leléu, tido e havido nesta terra como um burro pronto e acabado, deixo minha sela e respectivo arreio, que lhe cairão bem sobre o lombo. À minha irmã Cinira, que gastou a vida a serviço desse viciado em truco, lego rédea e um par de esporas, já que um burro com livre arbítrio é a pior das ameaças à sociedade organizada.
À minha sogra, junto a quem tenho tantas dívidas morais e espirituais, transmito também as dívidas materiais – as já vencidas, as presentes e as que doravante venham a surgir em meu nome, seja como compromissário ou como avalista.
Não abandonarei à própria sorte aqueles que as más línguas chamam de “frutos de união carnal espúria”, ou seja, os bastardinhos que espalhei por essas plagas. Saibam todos que o seu genitor não lhes negará o amparo e o devido quinhão, ainda que hipotecado, na forma de um alqueire e meio de capim-napiê (Pennisetum purpureum), cultivados no sítio.
O celular pré-pago, juntamente com os R$ 4,36 de crédito remanescente, fica para meu capataz Onofre. Uma liberalidade de minha parte para recompensá-lo pelos valorosos préstimos ao longo de 38 anos. Ele que ouviu de mim tantos desaforos, xingamentos intempestivos e acusações levianas, agora merece falar um pouco.
Quanto ao aquário da sala, alvo certo de acirrada disputa, proponho aos herdeiros que amigavelmente se dêem mútua quitação da seguinte forma: Justina fica com os peixes ornamentais, Cinira com a bombinha de ar, Onofre com o filtro, Leléu com o recipiente de vidro e os bastardos com os pedriscos que ficam no fundo.

OUTROS BENS E HAVERES


Suínos e bovinos
Três gomos de lingüiça (de procedência insuspeita e com carimbo do SIF), dois quilos e meio de carne de segunda e mais meia panela de coxão duro duplamente moído, que estão no gavetão de baixo do freezer. Façam disso o melhor e mais rápido proveito que puderem.
Aplicações
Inseticidas, fungicidas e fertilizantes devem continuar sendo aplicados na minha hortinha de almeirão e couve, à proporção de 1:1000. O pulverizador encontra-se na tulha, e não compõe este testamento por estar com a tampa do tanque girando em falso.
Ações
Tanto a ação de despejo, da qual minha família será vítima devido aos aluguéis atrasados, quanto as ações trabalhistas, provavelmente a serem movidas pelo Onofre e seus subordinados, deverão ser administradas pelo meu advogado – que para tanto será regiamente remunerado pela providência divina, em encarnação vindoura.
Grãos estocados em minha propriedade
Uma embalagem de milho para pipoca da marca Yoki, com prazo de validade a esgotar-se em 25 do corrente.
Um tupperware rachado transversalmente, acondicionado em geladeira, contendo feijão preparado na véspera da elaboração deste documento.
Ambos os bens serão partilhados igualmente entre meus herdeiros, legítimos e ilegítimos, em frações ideais de 1/35 (um trinta e cinco avos) para cada um, com escritura definitiva lavrada e registrada em cartório.
Coleções
Todos os meus gibis, do Carlos Zéfiro e do Cebolinha, as Seleções do Reader’s Digest de 1945 a 1961 e os Almanaques do Biotônico Fontoura deverão ser catalogados por bibliotecário habilitado e experiente. Em seguida, esse rico acervo deverá compor a “Fundação Hypólito Rufino Peixoto”, entidade que terá como missão o fomento cultural em nossa região.
Por fim, meu último porém não menos valioso bem: Edileuza, enteada do Zózimo da botica. Teúda e manteúda desde as quartas-de-final da Copa de 70, com casa montada e conta no armazém, não pode ficar à míngua de uma hora para outra. Todos os meus demais pertences, aqui não arrolados, passam com o meu falecimento às suas mãos.

Perdão, Justina, pela fabulosa e imerecida galharia que fiz brotar em sua cabeça, mas não soube refrear os meus instintos frente a tão roliça criatura. Agora está tudo às claras, não há mais nada a esconder. Mas assim como não se chuta cachorro morto, também não se estapeia defunto, Justina. Releve e viva em paz o resto dos seus dias.

• Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: www.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) www.letraeme.blogspot.com (portfólio)






Alguém me segue

* Por Gustavo do Carmo

Caminho pelo centro da cidade. Alguém me segue. Atravesso a rua. A pessoa me acompanha. Uma mulher. Loura e alta. Seus olhos só não são apresentados porque ela usa um par de óculos escuros Ray Ban. Paro repentinamente. Ela segue o seu caminho. Pára de me seguir.

Volto a andar. Novamente alguém me segue. Desta vez é um senhor de cabelos grisalhos e despenteados. Barba por fazer. Muito gordo. Usava uma camisa branca com listras finas, que mal cabia em sua barriga gigantesca, e uma calça jeans surrada. Aperto o meu passo. Ao contrário do que eu imaginava o homem também acelera. Entro em uma lanchonete. O homem gordo toma o sentido oposto e atravessa a rua, alheio ao meu medo.

Depois que eu acabo de comer um hambúrguer, uma batata frita e um refrigerante, recomeço o meu caminho. Foi só olhar para trás para perceber que agora sou seguido por uma senhora de cabelos tingidos de vermelho que também estava na lanchonete e que me olha com cara de poucos amigos. Tento disfarçar o meu temor, andando como se nada estivesse acontecendo. Sinto tensão por estar sendo seguido. Paro em uma banca de jornal. A senhora passa direto.

A senhora ruiva é substituída por uma bela morena de olhos verdes e blusa decotada. Tenho vontade de perder o medo e inverter o papel. Eu a seguindo para devorar o seu belo corpo. Por enquanto, continua como está: ela me seguindo e eu com medo. Vejo um homem forte e de óculos escuros que acena. Gelei. O cara parecia dizer: “Pega que é ele!”. Quase caguei nas calças. O homem sorriu e foi ao encontro da mulher gostosa atrás de mim. Beijaram-se apaixonados. Fui embora mais tranqüilo.

Entra em cena para me perseguir um policial. Ele parece ser ainda mais agressivo. Dá para notar pelo seu olhar. Volto a apressar o meu passo. Entro em uma tabacaria. Fico observando aqueles charutos cubanos que custam, por unidade, três vezes mais que o meu salário. O balconista me pergunta com simpatia se eu desejo alguma coisa. Digo apenas que eu só estava paquerando os produtos. “Fique à vontade”, disse, rindo das minhas palavras. Um velhinho franzino, cabelos e cavanhaque totalmente brancos. Sotaque libanês. Fico na tabacaria por mais cinco minutos. Quando saio, olho para trás e revejo o guarda, que ainda me observa. Volto para dentro da loja.

O velhinho pergunta se eu estou com algum problema. Digo que não. Ao ver o guarda pela vitrine, parado na porta de sua tabacaria, o libanês muda de tom e fecha a cara para mim. Não me expulsa. Eu mesmo tomo a iniciativa de sair e também a coragem para enfrentar a minha prisão.

O guarda grita: “Ô vagabundo!”. Paro rendido e resignado. O policial, já empunhando o cassetete na mão esquerda, me empurra e passa por mim. Seu alvo era um menino de rua, que rapidamente é imobilizado e espancado pelo homem da lei.

Aliviado, volto a caminhar pelo centro da cidade. Desta vez, sem ser seguido por ninguém. Livre para reiniciar a minha perseguição à esposa de um milionário que me contratou e pagou uma nota para eu descobrir se a moça está saindo com o seu motorista.


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores






Encantamento

* Por Ademir Antonio Bacca

contemplo em silêncio
teu corpo inerte
que o claro de lua
revela
na noite insone

nenhum galo cantor
nenhuma música vindo de longe
a quebrar o encanto dos meus olhos

só o silêncio
e o movimento
dos meus dedos
desenhando o mapa
do teu corpo

(Do livro: “Grito por dentro das palavras”).

* Jornalista, poeta, contista e produtor cultural

quarta-feira, 29 de junho de 2011







Leia nesta edição

Editorial – Beijo salvador.

Coluna De corpo e alma – Mara Narciso, crônica “O serão nosso de cada dia”.

Coluna Da terra do sol – Marco Albertim, relato histórico “Galileus não cabem na cadeia”.

Coluna Personalidade e atitude – Sayonara Lino, crônica “Solitude”.

Coluna Porta Aberta – Arita Damasceno Pettená, crônica “Cantar é rezar duas vezes”.

Coluna Porta Aberta – Marleuza Machado, poema “Dominação”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas à sua participação.


Beijo salvador

O beijo é uma das mais íntimas, universais e maiores manifestações de afeto que existem. Esse ato de carinho e de desejo (quando o caso), compreensivelmente, é dos mais explorados por escritores de todas as partes e de todos os tempos. É um daqueles temas literários que nunca envelhecem e nem se esgotam, ao contrário de tantos outros, que são abandonados em determinados momentos por falta de novidades.

Uma das melhores definições desse ato, exclusivamente humano, é a que encontrei na enciclopédia eletrônica Wikipédia, que consulto amiúde em minhas pesquisas diárias. Essa preciosa fonte da internet define-o da seguinte maneira: “Um beijo (do latim basium) é o toque dos lábios com qualquer coisa, normalmente uma pessoa. Na cultura ocidental é considerado um gesto de afeição. Entre amigos, é utilizado como cumprimento ou despedida. O beijo nos lábios de outra pessoa é um símbolo de afeição romântica ou de desejo sexual – neste último caso, o beijo pode ser também noutras partes do corpo, ou ainda o chamado beijo de língua, em que as pessoas que se beijam mantêm a boca aberta enquanto trocam carícias com a língua”.

Como se vê, esse ato tão íntimo tem variadas conotações, todas relacionadas com apreço, afeto, desejo e paixão. Pode, contudo, ser considerado, também, como manifestação de traição, ou, pelo menos, como prelúdio dela. O que?! Vocês estranharam essa afirmação?! Então me respondam: o que foi o beijo de Judas, em Jesus Cristo, se não a hipócrita manifestação de um traidor? Quantos relacionamentos que não prosperam (muitos terminam até em tragédias) em decorrência da traição, não começam com um beijo? São incontáveis. Como se vê, tudo, ou quase tudo, é relativo.

Vinícius de Moraes, na crônica “Namorados públicos” (que consta do livro “Para viver um grande amor”, Companhia das Letras, 1991), defende o direito das pessoas que se amam de se beijarem em qualquer hora e lugar, no momento que quiserem e bem entenderem, sem vetos e nem restrições de terceiros. Escreve: “Nada há de mal no beijo dos namorados, como no amor dos pássaros. Deixai-os nos seus parques, nas suas ruas escuras, nos seus portões de casa. Deixai-os namorar...”.

Concordo, óbvio, com o poetinha. O que tem que ser coibida é a violência irracional e homicida. É o ódio, é a corrupção, é o espírito mesquinho de vingança, é a exploração de um ser humano por outro e vai por aí afora. Coibir beijos é mera exibição de falso pudor, de falso moralismo, de hipocrisia sem tamanho. É meter o bedelho, indevidamente, na vida alheia.

O francês Jean Rostand tem uma definição pitoresca e poética dessa deliciosa manifestação de afeto. Escreveu que “Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido”. Claro, referia-se, no caso, ao que é partilhado pelos que se amam e não ao ósculo inocente dos amigos e nem aos meramente formais, que nem sempre significam afeição, e que, às vezes, simbolizam até o contrário, como o já citado beijo de Judas em Jesus Cristo.

Esse gesto caracteristicamente humano tem tantas acepções e significados, que se pode escrever não somente uma crônica, ou um poema, ou longo e alentado ensaio, ou até mesmo um livro, mas todo um tratado, de diversos tomos, a seu propósito, sem que, provavelmente, se esgote. Um gesto aparentemente tão simples, que tem tantos e tamanhos significados, não deixa de ser assombroso.

Dia desses, porém, li, no noticiário da imprensa, um caso em que fica clara nova e nobilíssima função para esse ato tão comum, mas de tamanha relevância para praticamente todas as pessoas. Refiro-me ao “beijo salvador”. Isso mesmo, a história dá conta da salvação de uma vida – mas em sentido literal e não no figurado – em decorrência dessa manifestação de afeto. E, no caso, tanto o agente ativo, ou seja, quem beijou, quanto o passivo, o beijado, nunca haviam sequer se visto. Eram rigorosamente desconhecidos um para o outro.

Peço a sua licença, caro leitor, para reproduzir, na íntegra, a tal notícia, que me suscitou estas descompromissadas reflexões: Diz: “Os moradores da cidade de Shenzhen, na China, viram um ato heróico e muito bonito no último dia 20 (de junho de 2011). A chinesa Liu Wenxiu, de 19 anos, conseguiu salvar um menino de 16 anos, que queria se jogar de uma passarela, com um beijo na boca. Liu estava passando pelo local quando se deparou com o drama do adolescente, que estava pendurado na passarela com uma faca na mão. Ela conseguiu se aproximar dizendo à polícia que era namorada dele e a razão pela qual ele queria se matar”.

O despacho da agência de notícias France Press acrescenta: “De acordo com a imprensa local, o menino perdeu a mãe quando criança e a madrasta não o tratava bem. Além disso, a mulher havia fugido com todo o dinheiro do pai, deixando os dois em uma situação complicada. Liu começou a conversar com o menino e mostrou a ele as cicatrizes de sua tentativa de suicídio. ‘A única maneira de salvar o garoto era com o amor’, disse”.

Como seria bom se pudéssemos ler (e transmitir) mais notícias com este teor, de calor humano, de solidariedade e de compreensão e, sobretudo, de desprendimento!!! Certamente, a realidade do mundo atual seria muito diferente desse desfile interminável de patifarias e de horrores, que caracteriza o nosso cotidiano, especialmente nestes tempos de globalização.

O despacho em questão conclui: “Durante a conversa, a chinesa beijou o menino e a polícia se aproximou para fazer o resgate. Após o episódio, o menino foi levado para a delegacia e só explicou o ocorrido na presença da falsa namorada”.

Mas... seria falsa mesmo? O termo utilizado aqui, pelo repórter, seria o mais adequado ao caso? O que é falsidade? O que é o namoro? O que o caracteriza? Quando começa? Por que?

Prefiro a constatação de Paul Valéry, que escreveu: “Tudo é mágico nas relações entre homem e mulher”. E não é? Bendita magia que assegura a continuidade e perpetuação da espécie e, portanto, da vida, aqui simbolizada pelo beijo salvador de Liu Wenxiu no assustado, descontrolado e despido de esperanças garoto chinês de 16 anos, que tentava, deliberadamente, deixar de viver antes mesmo, sequer, de fazê-lo plenamente!!!

Boa leitura.

O Editor.




Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






O sertão nosso de cada dia

• Por Mara Narciso


Entrevistei Ivana Ferrante Rebello, professora de Literatura e Língua Portuguesa da UNIMONTES, sobre Ciro dos Anjos, o grande escritor de “Amanuense Belmiro” e montes-clarense da Academia Brasileira de Letras. Falou comigo de forma tão intensa que achei tratar-se de sua especialidade. Mas não. Disse entender pouco de Ciro dos Anjos. O negócio dela é Guimarães Rosa, cujo tema do seu doutorado foi “Grande Sertão: Veredas”. Fomos ouvi-la, umas 60 pessoas, no incipiente Clube de Leitura Felicidade Patrocínio. Como eu já a conhecia, imaginava o que viria, mas levei um susto. Foi muito além, pois, hipnotizada pelo escritor, médico e filósofo, com toda a propriedade nos arrastou felizes e sorridentes sertão afora.
À medida que Ivana nos mostrava o sertão dos seus olhos, dava inveja não ver tudo aquilo que ela via. Cada um pensava consigo mesmo: ah, então era isso! O prazer dessa imersão dá a justa dimensão da nossa ignorância intelectual, e nos leva a ter mais fome e sede de saber. Recorrendo apenas à memória, pois não fiz anotações, escrevo a seguir, infelizmente sem a exatidão das suas poéticas palavras, o que ela nos disse.
Segundo Ivana Ferrante, o livro inicia-se com um travessão, como se fosse a continuação de algo já começado, e termina com o símbolo do infinito, significando que a obra acabou, mas não teve fim. Riobaldo, o jagunço apaixonado, e já aposentado, morando em sua fazenda, conta em três dias a sua vida a um senhor que lhe faz uma visita. Este senhor pode ser o alterego de Guimarães Rosa, e Riobaldo pode ser o próprio Rosa (?). A palavra sertão significa longe do mar, porém a sua origem tem gerado controvérsias. Seria originada da palavra ser-tão, querendo dizer ser-muito?
O amor de Riobaldo e Diadorim começa quando os dois são rapazinhos e fazem uma inesquecível travessia no Rio São Francisco. Diadorim é um lindo menino de olhos verdes, jamais esquecidos, e reencontrados adiante na vida. Filho bastardo do seu padrinho, Riobaldo atua como professor e depois sai pelo mundo, em busca da sua identidade, da sua vida, do seu lugar. Faz parte do grupo de Zé Bebelo e depois do grupo de Joca Ramiro, que vem a ser o pai de Diadorim.
Quando Joca Ramiro é traído e assassinado por Ricardão e Hermógenes, de um grupo rival, o objetivo da vida de Diadorim passa a ser vingar o pai, e assim segue junto com Riobaldo sertão adentro. Pessoa estranha era Diadorim, nascido em Itacambira, tinha poucas palavras, escondia o corpo atrás das roupas de couro, e nunca tomava banho na frente dos outros. Ensinou coragem a Riobaldo e usava a faca com grande habilidade.
O Demo é presença marcante na vida de Riobaldo, que fica dividido entre o amor realizável por Otacília, com a qual chega a se casar, e o amor impossível por Diadorim. Há dúvidas se foi feito um pacto entre ele e o Demo, mas quando Riobaldo voltou do tal encontro com o diabo, estava falante, ainda mais corajoso, e só então se tornou chefe dos jagunços. Para Ivana Ferrante esse pacto aconteceu, porém está aberta a discussões.
Riobaldo, já tornado chefe, depois de longa espera, protagoniza a batalha final junto ao Paredão. Adiante, quando balas cantam nos seus ouvidos, ele está mais preocupado com Diadorim, que coloca o corpo na frente de uma bala mortal, dirigida ao chefe, morrendo em seu lugar. O amado morto é levado para um cômodo e todos são convidados a sair, menos Riobaldo, que vê que Diadorim era mulher, na verdade Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins. Assim, quando o amor impossível se torna possível, já é outra vez impossível, pois ele está morto.
A paixão de Ivana Ferrante pela obra é tão grande que não admite discussão sobre a conduta moral dos jagunços e de Riobaldo, que possuíam códigos de honra próprios. Acredita que a ausência de lei leva a criação de códigos locais, e com isso evita ter uma visão reducionista de luta entre o bem e o mal. Para justificar a sua opinião, calcada em cima de amplos estudos, que a credenciam a ser uma crítica literária, Ivana Ferrante comprova o que diz, relatando o julgamento de Joca Ramiro pelos jagunços. O amor platônico dedicado a Diadorim é o amor universal, assim como os altos pensamentos filosóficos de Riobaldo, explicando a vida, por exemplo, quando diz: “para sair do sertão é preciso entrar nele”. Os norte-mineiros não acham difícil entender o sertão, pois vivem aqui o seu dia a dia.
A história contada de maneira descomplicada foi recheada de apartes sobre o autor, a vida dele, as características gerais da sua obra, assim como perguntas, comentários e opiniões do público. De acordo com Ivana Ferrante, a Rede Globo, quando fez a mini-série “Grande Sertão: Veredas” errou ao escalar Bruna Lombardi para ser Diadorim, pois matou a história antes de ela ter começado. Até mesmo Guimarães Rosa pedia aos seus leitores para não revelarem o final.
Para Ivana Ferrante, não faz diferença Diadorim ser homem ou mulher. Pode até ser que a moral da época tenha obrigado o autor a fazer dele uma mulher, porém, embora haja algumas teses abordando o livro sob o prisma da homossexualidade, ou do homoerotismo, Ivana considera que a obra é muito mais do que isso, sendo um caso de amor amplo e abrangente.
Guimarães Rosa era médico, e seu pai, um comerciante e grande contador de histórias, então, embora não tenha vivido propriamente no sertão, teve amplo contato com pessoas que geraram seus personagens densos, ricos e complexos, que esbanjam sabedoria. Sendo uma pessoa curiosa e detalhista, o autor prendia-se nas minúcias dos fatos, universalizando sentimentos. Buscou no livro “Montes Claros, sua gente e seus costumes”, do historiador e médico Hermes de Paula, matéria para seus livros.
Pesquisador incansável, Rosa anotava frases e detalhes para inserir em seus livros. A leitura difícil, devido à hermética linguagem regional não é impedimento para a tradução em diversas línguas. Para ler e entender melhor a obra é bom falar em voz alta algumas passagens e saborear sua sonoridade, degustando cada trecho.
A narrativa de Ivana Ferrante, sertão afora (ou adentro?), a mostrava envolvida e envolvente, a ponto de afirmar que sua relação com o livro era o de uma mulher apaixonada pelo seu amante (e o abraça contente). Tantas vezes leu o livro, e ainda hoje, a cada releitura vê coisas novas, reflexões outras, e emoções que transbordam, descobrindo renovadas cores: “mas eu não vi isso!”
Posso dizer que nas leituras das partes selecionadas, Ivana Ferrante comprovou a cadência poética das palavras do livro. Ao final, a platéia, que a certa altura teve oportunidade de ler frases em voz alta, estava inquieta e incapaz de ficar sentada, cobrindo a palestrante de elogios e abraços. Veio-me novamente uma das frases do livro: “viver é perigoso”, e eu acrescentaria: e amar é contagioso. Saímos dali, amando mais, impregnados pelo amor que Ivana nos ensinou, amor cego pelo sertão e uma vontade incontrolável de reler “Grande Sertão: Veredas”.

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, acadêmica da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.






Galileus não cabem na cadeia

* Por Marco Albertim

O delegado não se dera conta da quantidade desconforme de intimações. Na delegacia, pequena e numa rua estreita, os camponeses se misturaram. Muitos com a faca na cintura, no costume das reuniões na Liga; lá, não eram forçados a entrar desarmados, inda que houvesse um bate-boca ou outro, mirando só a cisma dos jagunços no engenho. Os jagunços, de tão conhecidos, tocaiados pelos olhos dos mais de mil moradores do Engenho Galileia; não se fundiam nos urdumes dos posseiros, mas por serem da terra, e da mesma maniva provarem, galileus também eram.
O delegado, certo de que os caibros velhos da casa, bem como as telhas cobertas de lodo seco, não desabariam sobre sua cabeça, gritou:
- Diabo de tanta zoada! Isto aqui não é uma casa de farinha... Faz silêncio todo mundo! Vocês tão aqui por desacato à autoridade!?
Fez-se um silêncio aturdido. Em cada rosto magro, do pretume de terra brocada, os olhos se buliam de estranheza. Oscar Beltrão instruíra o delegado sobre como tratar a rafameia dos engenhos; já gritara vez ou outra, mas sua voz de ganso rouco se engrupira pelo vento entre as folhas do mandiocal. Já o delegado, com o rosto de rusgas entre o basto bigode, fundiu-se no rogo insano ao mofo das paredes.
O comissário, até ali em pé, ao lado do chefe, saiu de sua funérea autoridade para ordenar que os camponeses fizessem fila do lado de fora da casa. Na rua de seixos soltos e terra farinhosa, a delegacia era a única casa com calçada de cimento; como um porto de beirada estropiada no apoio a barcos velhos.
- O dono do engenho deu queixa. Diz que o senhor é quem joga os homens contra ele...
Sem tirar a mira dos olhos de Zé Hortência, o delegado mede a distância que há entre os dois, sobranceia-se no cáqui lustroso de sua camisa de mangas compridas. O posseiro, com mangas compridas nos braços, deixando cair fios do algodão solto.
- Eu não tinha dinheiro para pagar o foro. Fui à Liga da Iputinga e o presidente achou certo se juntar todo mundo pra comprar o Engenho Galileia. É por isso que seu Beltrão tá dizendo que eu sou chefe. Sou chefe de nada não.
- Comigo o senhor não conversa mais nada. Vai conversar agora com o promotor e com o juiz de Vitória.
A pachorra da manhã, da tarde, fora sacudida pelos foreiros do Galileia. Mas o delegado não teve a paciência de ouvir todos, um por um, sorvendo o fedor de homens e mulheres com saliva gotejando em cada canto das bocas.
- Vão pra casa e nada de ajuntamento por aí, na praça. Aguardem nova intimação!
Oscar Beltrão, que a tudo assistira sem abrir a boca, também engoliu sua gosma de cuspe seco. Não se sentiu satisfeito com o fim do dia, mas persuadira-se de que o delegado fizera uma triagem, quase um corretivo em posseiros desacostumados ao senhorio.
Fim de semana seguinte, Zé dos Prazeres, no engenho, convence-os, sobretudo a Zé Hortência, de que o mais seguro é procurar apoio nos deputados da Assembleia Legislativa. Não demora e Francisco Julião, socialista e deputado, redige os estatutos da nova Liga Camponesa. Registrados os estatutos em cartório do Recife, há foguetório. Julião comparece à festa no Engenho Galileia.
A duzentos metros dali, coberto pela moita de um sapotizeiro médio que o mandiocal poupara, Oscar Beltrão espreita; tem nos olhos uma paciência limitada, em nada parecida com a das jararacas caçadoras do engenho.
O delegado não enviou aos posseiros novas intimações; satisfez-se com a denúncia do promotor, as oitivas do juiz. Não houve como prender tanto camponês numa cadeia onde mal se espremia meia dúzia de ladrões de galinha.
Em l959, cinco anos depois de anunciado o propósito de Zé Hortência, a Assembleia Legislativa aprova a desapropriação do Engenho Galileia. Cid Sampaio, governador e usineiro, sanciona. Mas a propriedade não fica com os foreiros. Cabe à Companhia de Revenda e Colonização dizer como e a quem as terras devem ser entregues para o plantio.
Em frente à casa de farinha, nova reunião. Francisco Julião ouve, convencendo-se de que a reforma agrária deve ser feita na lei ou na marra, o grito de Zé dos Prazeres:
- Reforma agrária!
Sentado a um canto, calado, Zezé da Galileia tem serenidade nos olhos; tem 70 anos e é líder. Não terá tanta sorte na distribuição das terras.

*Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.






Solitude

* Por Sayonara Lino

Estar só é um ato corajoso em uma sociedade ávida por pares. Nem que seja uma união de fachada, só para constar, um casamento da porta para fora, para conferir credibilidade, um namoro sem paixão, só para dizer que existe alguém ao lado. Uma cobrança paira no ar. Pode parecer que tudo anda muito modernoso, mas há conservadorismo, tradições muitíssimo arraigadas.
Ficar sozinho é uma oportunidade pára você observar se aprecia sua companhia. Aproveite, é de graça e não há contra-indicações. Uma experiência que abre oportunidade para adquirir força, profundidade, sabedoria, resignação. Nem sempre é fácil, por isso desafiadora.
Ter um companheiro não depende apenas de uma parte. Encontrar alguém interessante e compatível é ganhar um prêmio. E relacionamento acontece por múltiplos fatores. Tem belíssimas que não engrenam, educadíssimas que não encontram, cultas e inteligentes que só abraçam os livros. Já cansei de ouvir especulações sobre o tema. Como se a existência fosse matemática e a vida fosse feita de garantias.
Bela, polida, brilhante: êxito. Nem sempre. Sem contar os homens decepcionados com a ampla oferta de mulheres que apelam para o desespero, atiram-se e os assustam. Ainda existem os que querem levar algo a sério, apesar do pessimismo que ronda a cabeça da mulherada. Sugiro prudência na escolha. Hoje acredito que o amor é mais racional do que supomos.
Aposto na introspecção e na solitude moderada como grandes aliadas. Ter alguém para compartilhar é incrível, ótimo, mas não para compensar carências. Somos seres gregários e buscar companhia é saudável e natural, mas não a qualquer custo, aceitando migalhas de afeto e massacrando a identidade para desfilar de mãos dadas.

• Jornalista, fotógrafa e colunista do Literário






Cantar é rezar duas vezes


* Por Arita Damasceno Pettená

Em 6 de janeiro, num Dia de Reis, — e isto foi precisamente há 60 anos — um grupo de homens jovens se reunia para realizar um sonho de há muito acalentado pelos vãos do espírito: presentear Campinas, a sua Campinas, com um conjunto de vozes masculinas (barítonos, baixos, tenores) dentro de um coral que estivesse à altura da terra conhecida como a capital da cultura.
E foi assim que surgiu o Pio XI, destinado ao sucesso desde suas primeiras apresentações até os dias de hoje, a arrancar aplausos — e muitas vezes em pé — por arrebatar almas sensíveis sempre sedentas do belo, demonstrando, em cada espetáculo, que não mais são os meninos de ontem com mania de sonhar, mas verdadeiros luminares de uma arte que, em sendo a manifestação primeira pelo grito primeiro de vida, há de se destacar sempre entre as demais.
Toque mágico a despertar a sensibilidade do ser humano, em todos os instantes de sua trajetória, sobretudo nos momentos onde na gangorra brincam de sobe-e-desce a tristeza e a alegria, aos corais cabe o mistério de nos elevar até o Alto com um repertório ora místico, onde Deus se faz presente na pauta sussurrante de nossa emoção maior; ora despertando dentro de cada um de nós uma saudade dorida, aquela sensação que Carlos Gomes sentiu longe de sua pátria, de sua gente, de sua Campinas; ora ao compasso de instrumentos que hão de ser quase sempre o pano de fundo de um palco iluminado pelo conjunto que se faz harmônico tão afinados em suas notas que vão de “dó” até o dar o máximo de “si” mesmos pelo respeito à platéia sempre presente em seus aplaudidos encontros.
Gente que veio dos mais diferentes lugares, exercendo as profissões mais diversas, unem-se todos, semanalmente, para ensaios onde a cordialidade, o respeito pelo outro, o amar ao próximo, fazem do grupo uma ciranda onde, de mãos dadas, cultuam as maravilhas do Senhor, as belezas deste chão muito nosso, o amor em todas as suas dimensões.
Sim, um amor tão grande, tão lição de vida que, extrapolando o círculo mágico da arte sempre sob a batuta do magistral maestro Prof. Osvaldo Antônio Urban, cidadão de uma cultura invejável, descem do palco esses meninos, hoje de cabelos brancos, para cumprir o que Paulo deixou na Bíblia, livro maior da cristandade: “Sem caridade não há salvação”.
Ei-los, pois, em paralelo, em missão outra que merece nosso apoio. E em pé.
Sensibilizados pelo drama das crianças abandonadas, criaram esses servos do Senhor uma entidade, verdadeiro paradigma entre as demais: Associação dos Pais Adotivos. É um “não” à comercialização de crianças indefesas, rejeitadas quase sempre pelos próprios pais. É um “sim” aos preceitos divinos quando é o próprio Cristo que nos fala “Deixai vir a mim as criancinhas que delas é o reino dos céus”.

• Arita Damasceno Pettená é membro da Academia Campinense de Letras e da Academia Campineira de Letras e Artes


Dominação

* Por Marleuza Machado


Finjo não lembrar,
simulo indiferença...
Uso transparentes cortinas
para disfarçar as janelas do desejo,
e me fecho com trancas frágeis.
Tento não permitir que cruzes
a soleira do meu singelo mundo...
Tudo em vão!
Basta uma palavra,
um sussurro,
um olhar,
um toque de mãos,
todas as negativas se dissipam
então ressurges, avassalador,
tornando cativo,
mais uma vez,
este instável coração.

• Poetisa e jornalista

terça-feira, 28 de junho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Lendas urbanas.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica, “Querido diário”..

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica “Profissão: escritor”.

Coluna Lira de sete cordas – Talis Andrade, poema “A multidão”.

Coluna Porta Aberta – Adélia Prado, poema “Antes do nome”.

Coluna Porta Aberta – Fabiana Bórgia, poema “Inutilmente”.


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Lendas urbanas

A sabedoria popular cunhou um dito segundo o qual “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Ou seja, quem narra alguma história que ouviu alhures jamais a reproduz rigorosamente igual à narrativa de sua fonte primitiva. Sempre acrescenta algum detalhe pessoal, às vezes até de forma inconsciente, que a modifica um pouco ou muito, conforme o caso. Não raro, essas modificações são tão profundas, que do “causo” original não resta praticamente nada. Esse contador de segunda, terceira ou sabe-se lá qual mão, conta uma história absolutamente nova, que talvez só lembre, posto que muito remotamente, a que um dia ouviu e muitas vezes nem isso.
São assim que nascem o que se convencionou chamar de “lendas urbanas”. Os enredos podem ter, e têm, diversas características. Ora são histórias de assombrações, ora de lobisomens, ora de animais que falam, ora de figuras misteriosas que atacam pessoas incautas e vai por aí afora. São raros os que nunca ouviram (ou que jamais contaram) em rodinhas de amigos esse tipo de “causo”. Quem os ouve, mesmo que naquele momento em que tais histórias são narradas ridicularize quem as narra, mais cedo ou mais tarde, quando surgir oportunidade para isso, as irá reproduzir. E, claro, acrescentando sua contribuição pessoal, acrescentando um ou vários detalhes novos.
Essas lendas urbanas são um “prato cheio” para os escritores. Inúmeros romances, mundo afora, as reproduzem, na boca de personagens, para darem um clima de verdade, ou melhor, de verossimilhança às próprias narrativas. Há, até, quem por capricho, colecione essas histórias. Sei de um amigo que já conseguiu reunir 480 delas e jura que tem quase o mesmo tanto à espera de tempo para serem digitadas e arquivadas na memória de seu computador. Não duvido.
A existência de lendas urbanas, é bom que se frise, não é fenômeno apenas brasileiro, longe disso. O que é esse zum-zum-zum em torno do suposto monstro do Lago Ness, na Escócia, por exemplo, se não uma lenda urbana que ganhou foros de verdade? Ou que é a suposta existência do tal do Pé Grande? Hoje as coisas estão mais sofisticadas. Há uma infinidade de histórias, não raro narradas pelos próprios supostos protagonistas, dando conta de contatos imediatos com seres extraterrestres (de cuja existência não há uma única e reles prova ou sequer evidência), de abduções, de viagens a outros planetas ou a outras dimensões e vai por aí afora. Claro que não passam de lendas urbanas que, aliás, tendem a se multiplicar.
Quase sempre, essas narrativas são feitas com tamanha convicção, arrolando, até mesmo, supostas testemunhas, que findam por convencer até os mais céticos dos céticos, principalmente se forem um tantinho supersticiosos e não tenham, digamos, mente cartesiana, que raciocine, rigorosamente, nos padrões da fria lógica.
Quem, quando criança, não se assustou algum dia com a ameaça feita pelos pais, ou por irmãos mais velhos, ou pelas tias, diante da possibilidade de ser seqüestrado pelo “velho do saco”, caso saísse à rua para brincar com outras crianças, sem a devida autorização? Cansei de ouvir isso em minha meninice. E, por bom tempo, acreditei nessa lenda urbana. Como não acreditar naquela ocasião? Não havia como.
Querem outra, muito popular? Pois bem, cito a da loura do banheiro, que, aliás, tem infinitas versões. A que eu ouvi é que se tratava (ou se trata, pois muitos crêem e até juram que ela continua agindo) de uma mulher belíssima, de pele muito branca e de cabelos longos e, logicamente, dourados (naturalmente um fantasma), que era (ou é) avistada em mictórios públicos. Apareceria (ou aparece) quando a pessoa, a vítima escolhida, está sozinha nesses locais. Afirma-se que a tal da loura cega o infeliz que ousar encará-la. Quem me contou, jura que essa assombração existe. Justifica dizendo que aparece em banheiros porque foi num deles que ela cometeu suicídio (há versões que dizem que foi assassinada).
Quem nunca ouviu falar do tal ET de Varginha? Pois é, trata-se de lenda urbana. Na cidade paulista de Jarinu, o “causo” mais popular é o que se refere a supostos lobisomens. Houve época em que seus moradores, em sua maioria, ficavam sumamente incomodados com essas narrativas. Como, porém, não adianta jamais remar contra a maré... a cidade se curvou ao inevitável e “adotou” essa lenda. Foi mais longe. Criou o “Festival do Lobisomem”, que atrai, anualmente, um bom número de turistas para lá.
Leio, na enciclopédia eletrônica Wikipédia, mais algumas lendas urbanas, muitas das quais não conhecia. Essa fonte cita, por exemplo, o caso do “Demônio de Jersey”. A população dessa localidade dos Estados Unidos afirma que quando uma mulher (provavelmente Deborah Smith) deu à luz ao 13º filho (tinha que ser o número 13!), invocou o diabo. Por causa dessa invocação, o recém-nascido foi transformado em uma criatura horrenda, demoníaca e voadora. Muitas pessoas da localidade juram, de pés juntos, que a história é verídica. Ingênuos e supersticiosos há em tão grande quantidade quanto as areias das praias. Há sempre quem acredite (e não são poucos) e espalhe esse tipo de coisa. Claro, acrescentando indefectíveis detalhes, muito diferentes da narrativa original.
Outra lenda urbana citada pela Wikipédia (e que até foi levada às telas do cinema e que anos mais tarde chegou ao Brasil, com algumas adaptações), é a da “Gangue do Palhaço”. A fonte explica que ela “começou quando um jornal lançou uma série sobre crimes, e citou um palhaço americano que nos anos 60 assassinava crianças. Então começou a ser passada adiante a lenda de que um palhaço de Osasco roubava órgãos em uma Kombi azul”.
Cheguei a ouvir essa última versão, repleta de detalhes. E quem me contou (cujo nome, por razões óbvias, prefiro omitir) , assegurou que tinha muitas testemunhas (chegando a citar nominalmente um punhado delas) que atestariam a veracidade do “fato”. Fato? Não! Legítima lenda urbana!!! Fingi que acreditei, claro, para não perder o amigo. E você, caro leitor, qual sua lenda urbana predileta?

Boa leitura.

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






Querido diário

* Por Evelyne Furtado

O compositor em tempos de internet.

O poeta nos ofereceu uma nova criação após um estio no gênero e criou uma enorme polêmica. A princípio não o reconheci. Mas era ele em letra e música. Li e reli. Encontrei uma estrofe que lembra o Chico de antes. Achei, também, o verso tão criticado. Foi estranho "ler" o tal amor pela mulher sem orifício. Uma santa? Senti uma pontinha de sarcasmo. Uma crítica do cotidiano, quem sabe.
Li inúmeros comentários na internet. Alguns raivosos, outros com laivos de decepção, uns apaixonados. Li algumas criticas muito fortes e, talvez, sem isenção.
Voltei ao Querido Diário. Ouvi, apenas, e foi melhor assim. Depois uni letra, música e voz. Coisa de fã. Mas ainda não cheguei a uma conclusão.
Intuo que ali se encontra mais um personagem de Chico Buarque de Holanda. Um personagem contemporâneo, vivendo seus dilemas, procurando um significado para vida e debochando dela, da religião e do amor. Alguém entre o ingênuo e o mordaz. Um homem provavelmente vindo do interior, que cria um cachorro e não bate em mulher nem com uma flor, mas que gosta de ver a dele chorar. Pronto, se não acertei, eu mesma criei um novo tipo a partir de Chico Buarque. Creio que ele cumpriu sua parte mais uma vez. Agora é ouvir mais, pois música tem um efeito diferente ao longo do tempo e as dele parecem melhorar com os anos.

• Poetisa e cronista de Natal/RN






Profissão: Escritor

* Por José Calvino de Andrade Lima

“Ao combativo e nunca assaz louvado escritor e antropólogo José Calvino, com a homenagem dos missivistas do JC”



Esta dedicatória foi do então editor de “Cartas à Redação” do Jornal do Commercio, quando lançou em 1998 o livro “Cartas Pernambucanas” (Missivistas do JC). Na época foi publicado “Iniciativa dos missivistas”, JC 12/08/98: “Recebi duas cartas da editora Comunicarte tratando da edição de livro com dados biográficos de missivistas do JC e uma carta inédita ou não, a ser lançada este ano, em comemoração à Semana Nacional da Imprensa. Em segunda carta veio o total do orçamento para tiragem de mil exemplares do ‘curioso livro’. Remetendo as matérias solicitadas (é uma vergonha, deveria ser remunerado), e como não obtiveram apoio cultural (que é o difícil), pretendem então ‘empurrar’ 50 exemplares ao preço unitário de R$ ... (questão de ética deixo de mencionar o preço), visando exclusivamente ao mercantilismo, como se fôssemos profissionais de venda de livros! A meu ver, antes de o livro ir ao prelo mudar o título, o setor de marketing deveria ser consultado para que os supostos leitores saibam que não houve patrocínio! Somente o nome de editora que imprimir, é claro. Por lei, todos os livros trazem o nome da editora onde são impressos. * José Calvino.”
Estou falando do saudoso jornalista José do Patrocínio Oliveira, decano do JC. Quem vive como eu, evitando grupos de subservientes “intelectuais” com conchavos, a fim de obter favores, permita-me registrar algumas inconfidências. Num país onde todos são iguais perante a lei, a decepção é grande. Em termos de Brasil, ser escritor ou poeta numa nação cheia de analfabetos e semi-analfabetos, fica ainda mais difícil, e como!!! Os referidos têm apenas uma pequena noção das coisas, são cheios de superstições, de preconceitos, crendices e sem cultura que possibilite a tomada de decisões. Na minha opinião, são como fantoches. Manipulados pelo sistema, crescem, comem, e morrem, esquecidos. Acredito que 50% dos brasileiros alfabetizados não têem o hábito de ler. Muitos leem mal e dificilmente entram numa livraria, nunca assistem a uma peça de teatro,,, (não leem sequer um jornal)!!! A conversa é mais sobre futebol, bebidas... É uma perda de tempo discutir essas coisas! Sobre a bebida não faço apologia, até porque eu acho que seja uma das drogas mais prejudiciais ao ser humano. Só porque é oficializada? Há quem despreze os escritores. Principalmente num regime ditatorial (toda ditadura é perversa)!!! Tomei conhecimento, alguns anos passados, que um célebre romancista..., interpelado por um inspetor da alfândega de Berlim, sobre sua profissão, respondeu “escritor”, tendo o dito cujo repetido a pergunta com riso sarcástico: “Eu estou indagando a profissão...” Eu particularmente, continuo escrevendo, mas, investir nas edições dos meus próprios livros? Jamais!!! Desprestigiado pelo público almejado, o Fiteiro Cultural, aqui do Recife, foi desativado. Uma pena.
Em 1957, freqüentei o Curso de Iniciação ao Cinema, promovido pelo Centro de Orientação Cinematográfica e pela Associação de Imprensa de Pernambuco (AIP). Retirei a proposta de sócio por motivos óbvios. No mesmo ano o de Radiatro. Como também o desligamento da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) . Motivo: Não entregaram o comprovante do registro da Peça Teatral Trem & Trens” e a carteira da SBAT. A prova que a peça teatral “Trem & Trens”, de minha autoria, foi devidamente registrada sob o Nº 27.751 em 26.09.1990, no Rio de Janeiro, documento, como título executivo judicial em 1991.
Em plena ditadura militar (1970), conheci alguns articulistas, colunistas, compositores, escritores, médicos, advogados, apresentadores de programas de rádio e TV, repórteres esportivos, policiais, que já exerciam a profissão de jornalismo. Porém, na época não existia curso de nível superior de jornalismo ou de comunicação social. Participamos (eu e José do Patrocínio) do I Curso de Comunicação Social, promovido pela Associação dos Bacharéis em Jornalismo, realizado na Universidade Católica de Pernambuco em convênio com o Instituto de Ciências da Informação (Icinform) e a colaboração especial do Instituto Cultural Brasil-Argentina. Aproveitando o ensejo gostaria de mencionar as matérias e professores: Panorama das Telecomunicações no Brasil e no Mundo, Engº. Nédio Cavalcanti; Comunicação do Jornalismo Impresso, Jornalista Wladimir Maia Calheiros; Comunicação Através das Relações Públicas, Professor Francisco Higino Barbosa Lima; Comunicação Áudio-Visual, Professora Theresa Catharina Góes Campos; Comunicação e Universidade, Reitor Potiguar Matos (UCP). No mesmo ano recebi o certificado de radiotelegrafista (1ª Classe), de conformidade com as disposições dos Regulamentos de radiocomunicação internacional. Este eu tenho obrigação de guardar o sigilo das comunicações e de cumprir fielmente as determinações regulamentares em vigor e as da legislação radiotelegráfica internacional.
Dado ao meu agnosticismo (permaneço agnóstico) no ano de 1982, concluí o curso de Ciências Religiosas pelo então ITER (Instituto de Teologia do Recife), sendo o referido curso equivalente à licenciatura curta para fins de Magistério. Em 1997, me associei à UBE-PE, pela segunda vez deixo de pertencer aos quadros da (des)União Brasileira de Escritores ( Vagão abandonado nos jardins da UBE – Literário 10/05/2011). E, em 2009, fui entrevistado sobre a cidade do Recife, no então Fiteiro Cultural, destinado ao curso de jornalismo da Unicap (Universidade Católica). Até hoje desconfio que foi uma trama encabeçada por algum professor, pois um dos entrevistados evita falar na dita entrevista...

* Escritor, poeta e teatrólogo






A multidão

* Por Talis Andrade


Desamparada multidão
Os políticos aparecem
e desaparecem
Têm os que oferecem
pão e circo
e os que aumentam
as promessas
como se fosse possível
realizar uma revolução
com palavras e sangue

A multidão se mutila
nos jogos
pisa e empurra
nas filas
da distribuição frumentícia

Depois que se empanturra
e urra de alegria
se dispersa
se enfurna

A multidão
além dos muros da cidade
invisível e silenciosa
permanece atenta

espalhada por milhares de mocambos
equilibrados um em cima do outro
nos distantes morros

espalhada por milhares de mocambos
suspensos nos ares
nos terrenos alagados
pelos rios e marés

A multidão de repente sozinha
de repente um milhão
passivamente espera
uma nova convocação
para os cantos de servidão


* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).






Antes do nome

* Por Adélia Prado

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

* Adélia Prado é uma das principais poetisas brasileiras da atualidade, autora de vários livros de sucesso. .


Inutilmente


* Por Fabiana Bórgia

Eu não quero falar da vida
Quero viver
Eu não quero falar.

Tudo o que eu quero não cabe
Numa folha de papel
Ou no mundo virtual.

O que eu quero está além de mim
De você
Do nosso alcance.

O que eu penso não digo aqui
Digo no escurinho do cinema
Nos seus ouvidos.

Não quero que me escute
Quero que me sinta
Como a brisa

Eu não quero falar da vida
Eu não quero falar de amor
Quero amar.

Eu não suporto prisões
E nem este excesso de liberdade
Disfarçada de anarquia.

Minha escrita não vem agora
Está numa gaiola
Querendo voar.

• Escritora por vocação e advogada por formação. Paulista por natureza e carioca por estado de espírito. Engenheira de sonhos: alguém em eterna construção. Autora do livro “Traços de Personalidade”

segunda-feira, 27 de junho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Fuja das generalizações.

Coluna Em verso e prosa – Núbia Araújo Nonato do Amaral, poema, “Meus passos”

Coluna Lira de sete cordas – Talis Andrade, poema “O balangandã”.

Coluna Porta Aberta – Rubem Costa, crônica “Mestre Norberto”.

Coluna Porta Aberta – Pedro Du Bois, poema “Domesticar”..

Coluna Porta Aberta – Givanildo Alves, crônica “Jogadores são apedrejados na implantação do futebol”.


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Fuja das generalizações


O noticiário diário dos meios de comunicação, com sua carga negativa, relatando crimes, desastres, desgraças de toda a sorte e corrupção, passa a impressão aos desavisados e às pessoas influenciáveis e de nível de informação relativamente baixo, que as virtudes foram banidas, de vez, do Planeta. É certo que tudo o que de ruim é noticiado, é real. Existe de fato. Não é inventado pelos jornalistas (embora, não raro, seja enfatizado mais do que deveria, quando não exagerado).

O mundo é, mesmo, assim. Todos os dias, sem exceção, têm a sua cota de desgraças. E isso ocorre desde o surgimento do homem. As pessoas, óbvio, são diferentes e o mal e o bem convivem desde sempre. O ruim é quando nos deixamos vencer pela tentação das generalizações. Não é porque determinada mulher, não importa por qual motivo, se desfaz de seu bebê, que “todas” as mães tenham perdido o instinto materno, básico, de proteção de sua prole. Não é porque um sujeito bronco qualquer espanca a esposa, provavelmente sob efeito do álcool e/ou das drogas, que se pode dizer que não há mais amor no mundo e que o casamento é uma instituição falida. E vai por aí afora.

O escritor precisa ter cuidado na avaliação da realidade. Afinal, se ficcionista, cabe-lhe criar enredos que tenham um mínimo de verossimilhança. Se escrever, todavia, uma história em que todos os personagens sejam virtuosos e rivalizem em santidade com São Francisco de Assis, seu livro, com certeza, será um fracasso. A realidade, nua e crua, não é assim. Todavia, o mesmo ocorrerá se situar seu enredo num inferno sobre a terra, em que lobo coma lobo e não haja um mínimo de ética e de respeito mútuos. Seu texto também não será verossímil e dificilmente prenderá os leitores da primeira à última página.

O filósofo e historiador norte-americano Will Durant, no livro “Filosofia da vida”, observa: “Ainda nascem entre nós santos; homens de boa vontade freqüentemente cruzam-se conosco; raparigas modestas podem ser encontradas, se soubermos procurá-las; em milhares de lares existem mães pacientíssimas; e a imprensa diária nos mostra com que freqüência o heroísmo aparece ao lado do crime”. Exagero? Claro que não. Cada um de nós conhece, certamente, um bom punhado dessas pessoas virtuosas, generosas e solidárias, que talvez sequer nos chamem a atenção. Mas elas existem.

E Durant prossegue, citando exemplos práticos a propósito: “ Quando uma inundação sobrevém, milhares de pessoas se apresentam para ajudar, e milhões contribuem com auxílio financeiro; se um povo está na agonia da fome, até de nações inimigas lhe advém socorro; se exploradores se perdem, outros se apresentam para procurá-los”. E não é o que acontece?

Você mesmo, caro leitor, é provável que tenha tomado a iniciativa de fazer campanha em favor de vítimas de catástrofes climáticas que você sequer conhecia, mas cujo sofrimento sensibilizou-o e o levou a agir. O nível de mobilização para socorrer os que foram afetados pelos recentes deslizamentos de terra na zona serrana do Rio de Janeiro foi exemplar e comovedor. Se a ajuda chegou, de fato, aos que dela precisavam, são outros quinhentos. Mas não se pode afirmar, com base nos atos de algumas pessoas insensíveis e omissas, que o senso de solidariedade e de piedade haja sido banido da Terra. Não foi! Alguns, porém, baseados em notícias nada consoladoras, generalizam e afirmam que sim.

Will Durant acrescenta, a propósito: “Ninguém ainda mediu a potencialidade do homem para o bem. Atrás do nosso caos e do nosso crime, permanece a bondade fundamental da alma humana. Essa bondade espera que o tumulto chegue ao fim e que por meio do processo de experiência e erro outra ordem social, mais nobilitante do homem, surja”.

Aliás, a citação desse filósofo e historiador me dá pretexto para tratar, mesmo que superficialmente, desse homem notável. William James Durant foi desses intelectuais que sempre se preocuparam em exercitar o que pregavam. Destacou-se por liderar importantes causas sociais. Por muitos anos, por exemplo, ao lado da esposa, Ariel, lutou pelo voto feminino nos Estados Unidos. Foi mais longe e batalhou por salários iguais entre homens e mulheres que exerciam as mesmas funções, quando o feminismo era tido como coisa de “agitador”. Outra causa em que se empenhou foi por melhores condições de trabalho para os trabalhadores. E vai por aí afora.

Por essa exposição, teve que se haver com inimigos poderosos, favoráveis a deixar as coisas como estavam e foi acusado de anarquista, por uns e de comunista, por outros, embora não fosse nem uma coisa e nem outra. Era, sobretudo, um humanista, um ativista social. Antes, muito antes do surgimento das campanhas em favor dos direitos civis, ou seja, da igualdade de tratamento entre brancos e negros, lá pelos idos da década de 40 do século XX, Will Durant e a esposa já se empenhavam por essa causa. Pregá-la, nessa época, era querer cair em ridículo, tão improvável parecia seu êxito.

Mas não foi, apenas, por seu ativismo que o casal se destacou. Marido e mulher escreveram vários livros em parceria, entre os quais “A história da civilização. Rousseau e a Revolução”, obra em dez volumes agraciada com o Prêmio Pulitzer. Will escreveu, sozinho, a “História da filosofia” e “Filosofia da vida” que, sempre que tenho pretexto, cito, amiúde, em minhas reflexões. Como se vê, trata-se de um intelectual plenamente credenciado, instruído, hiper-bem-informado, com condições, portanto, para alertar-nos dos perigos das generalizações. Não foi, pois, nenhum alienado que enxergava o mundo sob um prisma cor de rosa.

Will Durant foi um sujeito vencedor. No final da vida, foi reconhecido até pelos mais ferrenhos adversários. Em 1977, por exemplo, recebeu, das mãos do então presidente Gerald Ford, a maior honraria que seu país poderia outorgar a alguém: a Medalha Presidencial da Liberdade. O jornalista, professor, filósofo e historiador teve na esposa, Ariel, seu grande amor. E, principalmente, a mais preciosa parceira que poderia encontrar. Curiosamente, faleceu exatas duas semanas após a morte dela, em 7 de novembro de 1981. Eram como uma única pessoa em dois corpos.

Portanto, caro leitor, quando influenciado pelo noticiário tenebroso e trágico você tiver a tentação de achar que tudo está perdido e que o mundo não tem mais jeito, lembre-se da constatação de Will Durant: “Ainda nascem entre nós santos; homens de boa vontade freqüentemente cruzam-se conosco; raparigas modestas podem ser encontradas, se soubermos procurá-las; em milhares de lares existem mães pacientíssimas; e a imprensa diária nos mostra com que freqüência o heroísmo aparece ao lado do crime”. Felizmente, só posso acrescentar.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuik






Meus passos

* Por Núbia Araújo Nonato do Amaral

V
isto o meu jeans
surrado e uma
velha camiseta
testemunha de
meus atos.
Com os pés
descalços
sigo sem
rumo pelas
frias calçadas
de pedra sabão.
Vou lutar
pelas minhas
dúvidas.
Pela franqueza
em admitir
que falho.
Por achar
que às vezes
Deus me perde
de vista.
Por brigar pelos
meus momentos
de insanidade
e por manter-me
de pé.


* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário