quarta-feira, 20 de abril de 2011




O índio sertanejo

* Por Manoel Freitas

(Continuação)


A reserva Indígena Xakriabá tem seu território localizado no município de São João das Missões, Norte de Minas Gerais, na região do Alto Médio São Francisco. Distante aproximadamente 730 km de Belo Horizonte, tem cerca de 7.000 índios, distribuídos por 29 aldeias ao longo de uma área de aproximadamente 53.014,92 hectares.
São poucos os registros históricos e etnográficos sobre os Xakriabá. A dispersão do grupo, a anacrônica utilização de critérios e princípios formados na observação de outros povos – inclusive africanos e asiáticos – e o contato tardio dos viajantes e outros narradores que travaram conhecimento com os Xakriabá quando estes já haviam perdido a autodeterminação, contribuíram para que houvesse uma diluição dos registros, que na maior parte das vezes se restringiram a classificações gerais e à delimitação do território.
Os Xakriabá pertencem ao grupo lingüístico Macro-Gê, divisão Akuê, composto por habitantes das terras entre as bacias dos rios São Francisco, Tocantins, Araguaia e Rio das Mortes, dispersos numa área que englobaria partes dos estados de Minas Gerais, Goiás e Maranhão. Os grupos às margens do Tocantins seriam os Xerente; os que habitavam as margens do São Francisco, Xakriabá; aqueles às margens do Araguaia e Rio das Mortes, os Xavante.
O grupo populacional que hoje se reconhece como o povo Xakriabá resulta de forte miscigenação com outros grupos indígenas, desde o aldeamento nos séculos XVI e XVII, e com brancos, negros, mamelucos, cafuzos e caboclos de vários tipos que, ao longo dos últimos séculos, foram se misturando aos Xakriabá através de matrimônios e outras variadas formas de associação familiar e comunitária. No século vinte, os grupos Xakriabá ficaram conhecidos como “grupos de caboclos” que partilhavam com posseiros e retirantes nordestinos as terras condominiais da região.
Se observados de longe, poderiam ser confundidos com outras centenas de comunidades rurais de agricultores pobres dos sertões de Minas Gerais e Bahia. Contudo, não se faz necessária uma análise etnográfica e histórica profunda para perceber que os Xakriabá possuem uma identidade própria e uma aguçada e complexa consciência de sua indianidade.
A religiosidade, a posse comum da terra e o apego ao território ancestral são apenas os aspectos mais evidentes. Apesar disso, ao longo dos anos, sofreram constante e sistemático questionamento de sua identidade, motivados pelo desejo de que não obtivessem a posse da terra, mas também - e não menos traumático - por não reconhecerem neles as características que o senso comum e o repertório dos “especialistas” atribuem aos índios. Por escaparem às classificações padrão, causando uma desconfiança nos “outros”, numa típica crise de alteridade, a comunidade Xakriabá se vê imersa numa constante re-elaboração de seu papel social e de sua identidade.
A história dos Xakriabá é, antes de tudo, um grande esforço de resistência e adaptação. Resistiram ao Brasil Colonial e Imperial e a suas várias “Repúblicas”, ao esforço concentrado e direto dos Bandeirantes, aos ataques de seus inimigos Caiapó, à política oficial das missões e aldeamentos que os forçavam à miscigenação e à catequese, à especulação fundiária, e - mais recentemente - aos ataques dos fazendeiros e da própria Ruralminas, órgão estadual de regulação de terras.
Longe das florestas densas de regiões tardiamente povoadas, descobriram cedo que se achavam no olho de um furacão: habitavam a rota de abastecimento das Minas, no meio do caminho entre as regiões “antigas” mais povoadas – Bahia e Pernambuco – e a nova área de mineração, convertida no principal foco da economia colonial já no início do século XVIII.
Hoje, a comunidade Xakriabá vive um processo delicado de tomada de decisões sobre os rumos e perspectivas a serem trilhados na busca de melhorias e soluções para as difíceis condições de vida de sua comunidade. A propriedade coletiva da terra e o caráter comunitário das ações e decisões, de um lado, e a inserção múltipla e crescente de seus membros em instituições e contextos econômicos, políticos e culturais diversos, de outro, levantam questões de difícil compreensão e solução para sua organização sócio-espacial.
De fato, num ritmo variado de tensão e distensão, resistência e flexibilidade, os Xakriabá começaram o ano de 2005 comemorando a vitória de Zé Nunes, índio Xakriabá, professor na comunidade e testemunha do assassinato de seu pai por grileiros em 1987, como prefeito pelo PT. Junto com Zé Nunes, cinco vereadores do PT constituíram a maioria na Câmara Municipal. Assim, nova realidade se abre para os Xakriabá, rompendo o ciclo de isolamento e marginalização e colocando-os à frente do processo de gestão, não apenas nas suas terras coletivas, como também no município onde constituem cerca de 75% da população.

(Continua)



• Fotógrafo de Montes Claros/MG

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