sexta-feira, 22 de abril de 2011







E. M. V. Ao Sul do Efêmero

* Por Silvério da Costa

Há muitos anos várias vezes mantenho contato com o poeta e prosador Emanuel Medeiros Vieira, um dos mais lúcidos autores vivos deste país. Tenho por ele uma profunda admiração, não só pela sua arte literária, mas também, e principalmente, pelo ser humano que ele é. Não o conheço pessoalmente, mas a correspondência me basta para o que estou afirmando.
Ele nasceu na Ilha do Desterro e é o caçula dum batalhão de irmãos (17). Foi pr4eso e torturado, durante a ditadura, por defender a liberdade e a justiça social. Enfim, era um sonhador, um idealista que propugnava por um destino, embora não acreditasse nele, mais condizente com a dignidade humana e mais feliz para todos os brasileiros.
Pois é sobre o último livro publicado por esse extraordinário escritor catarinense, um dos melhores do Brasil, que vou falar. Seu título é “Olhos Azuis ao Sul do efêmero”. Trata-se de livro vitaminado (293 páginas de puro enlevo!), pelas confluências do dia a dia, que retrata, especificamente, as relações do ser humano, dentro da sua existencialidade, amalgamando o lado doloroso do real com o onírico, nem sempre prazeroso.
A figura central do livro é Júlia, sua amiga (namorada?) que, em dado momento, cansou de viver e partiu. Foi mais uma para a galeria das perdas irreparáveis! Durante o relacionamento entre ambos, Júlia deu vários sinais, explícitos ou tácitos, de que algo trágico estaria para acontecer a qualquer momento, mas ele, embora percebendo algo de estranho, não acreditou. Há, também, a morte da mãe, do pai e de tantos outros. Aliás, a morte sempre foi a sua eterna e fiel companheira, ao longo da vida. É por isso que tanto a prosa, quanto a poesia, de Emanuel são amargas, ressabiadas!... A alusão à morte talvez não seja original em Emanuel Medeiros Vieira, mas é uma maneira de falar sobre a arte de viver, custe o que custar. Ele desaperta os nós da catarse, para falar da morte e fazer florescer a vida na esteira da tragédia. Mas há no livro,m ainda, a Wanda, uma prostituta por quem o autor se apaixona e com quem vive uma relação amorosa intensa. Ela, porém, abandona-o, a fim de ir para o Nordeste cuidar da saúde de sua mãe que estava com câncer na espinha.
Além dos ambientes de reputação duvidosa, esses são os ingr4edientes de materialização deste livro, ou seja, o autor faz uma viagem pela memória, depois das suas perdas mais importantes, resgatando-as, numa espécie de tom confessional. “Olhos azuis...” é um livro de aguçada e percuciente reflexão sobre a existência e o comportamento humano, que reflete e faz refletir sobre a solidão, a passagem do tempo, a quase loucura, as doenças físicas e psicológicas, o absurdo do cotidiano e os bastidores do desespero, tudo extraído dos seus labirintos mais ocultos e quase intocáveis. Enfim, é um livro perpassado por grandes envolvências emocionais ao revelar a precariedade da condição humana.
Mas, ao fim e ao cabo, o livro é, também, a celebração da vida,m da vida que ele, Emanuel Medeiros Vieira, conquistou a duras penas, vencendo as intrigas mais ferozes, as enxovias mais asquerosas, e até a imprevisível e “indesejada das gentes”. Se eu tivesse de classificar este livro, quanto ao gênero, já que esta é a grande dúvida do leitor, ousaria dizer que se trata de uma catarse mnemônica, porque, a rigor, não há uma estrutura romanesca. É uma história, ou seriam várias? Sem enredo.
“Olhos azuis...” transcende todos os gêneros para desvelar a sua conturbada existência, feito um felino ferido, andando pelos meandros da narrativa inquietante da dor, e pela descrição pictória da angústia. É, evidentemente, um preço alto demais, mas compreensível, quando se trata de abordar os dramas pessoais e familiares , com final quase sempre trágico, numa linguagem impregnada de um terror quase kafkiano! Misturado ao estilo impetuoso, e inconfundível, e arrebatador dele mesmo, Emanuel Medeiros Vieira, enquanto observador, narrador e leitor! Parabéns!...

• Poeta e jornalista catarinense

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