quarta-feira, 23 de março de 2011




Os sons da noite

* Por Harry Wiese

Sempre que posso me deito cedo com o intuito de também acordar cedo, ou permanecer acordado em longos períodos durante a noite. As noites, até que me comprovem o contrário, têm mistérios, manias e segredos.
Quando isso acontece, eu ouço os sons que apontam em diversos momentos e em diversos lugares. Eu tenho a possibilidade de prestar atenção nestas coisas porque onde moro é um lugar tranquilo e o silêncio, às vezes, é absoluto.
As corujas, só as percebo pelos filhotes. Estes fazem uma gritaria infernal quando as mães aparecem junto aos ninhos para os alimentarem. Sem o voo das mães, o silêncio permaneceria sepulcral. O voo das corujas tem algo a ver com estrelas cadentes, não fazem ruído e não deixam rastro.
Há também os gansos. Perto de minha casa existe uma família de gansos que na calada da noite cumpre sua função grasnática, sim, gansos grasnam. Através de sua gritaria coletiva, anunciam ou denunciam a aproximação de quem quer que seja. Acho que até veem fantasmas. Quando fazem aquela algazarra, não tendo nada por perto, nenhuma alma viva se mexendo, acredito que estão espantando fantasmas. Não é possível compreendê-los de outra forma.
Quando os gansos grasnam dentro da noite, recordo os belos dias da minha infância. Minha avó tinha várias famílias de gansos e, ainda me lembro, ninguém podia aproximar-se dos ninhos ou dos filhotes. Eram sensíveis, belos e ferozes.
Já os cachorros quando latem noite adentro não veem fantasmas. Latem simplesmente por latir. Alguém precisa dar sinal de vida e os cachorros estão sempre atentos. Cachorros são como guardas-noturnos. Eles, os guardas, mesmo sabendo que não há salteadores, nem coisa alguma acontecendo, fazem suas rondas. Assim são os cachorros quando latem na noite, sem bicho para espantar, sem ladrão para morder e sem dono para agradar.
Os gatos são silenciosos como as corujas em seus voos, salvo quando as gatas estão no cio. Então, há disputas ferrenhas entre os machos e miados prolongados de gozo das fêmeas. É o som natural da noite que garante a perpetuação da espécie.
Ah! Nos sons da noite ainda tem os fantasmas que vivem na minha casa. Como eu não acredito neles, faço de conta que são meus fantasmas de “mentirinha”. Estes chegam até a levantar as telhas do telhado. Quando não fazem isso, jogam bolão sobre a laje da casa, tanta é a perfeição de seus ruídos. Nunca entendi como chegam a fazer isso. Há também os mais afoitos que fazem estralar portas, armários e louças dentro de casa. Às vezes, o barulho é muitíssimo forte. Fosse eu pessoa de ter medo de seres do outro mundo, colocaria anúncios nos jornais procurando caçadores de fantasmas. Mas como eles são meus amigos, deixo-os em paz na sua função nas horas mortas da noite.
Além de corujas, gansos, cachorros, gatos e fantasmas há os sons naturais. São provenientes do Rio Hercílio, do Rio Sellin, dos ventos, das chuvas e dos trovões. Se a brisa vem do Sudoeste e se o Rio Hercílio, mesmo estando longe, possui volume acima da média, eu ouço o rolar das águas sobre as pedras, cascatas e corredeiras. Já, o Rio Sellin, que corre logo atrás de minha casa, ouço-o sempre, desde que não haja estiagem em demasia. Os ventos, trovões e chuvas devem ser os fantasmas da natureza. Aparecem vez ou outra. Às vezes, ficam furiosos e atacam de verdade, não são como os fantasmas de minha casa que não fazem mal a ninguém. Então, árvores quebram, telhas se levantam e caem e a casa treme.
Como eu moro num lugar tranquilo, em altas horas da noite quase não ouço roncos de motores. E quando os ouço, sei que tem alguma coisa que foge dos preceitos da normalidade. Ou alguém vai para casa tendo acariciado além da conta os copos do bar, ou alguém vai ao pronto-socorro à procura de alívio nas mãos dos anjos-noturnos que sempre estão ali à espera. Todavia, depois que os galos já fizeram sua cantoria, quando o barulho de motores de carros e motos aumenta e os passarinhos começam a dar sinal de vida, sei que a madrugada já foi anunciada e o trabalho está prestes a começar.
Então, o dia já raiou, o sol logo vem e eu também me vou. Alunos me esperam na sala de aula, mas não lhes falarei sobre os sons da noite. Quem quiser saber que leia minha crônica.


• Harry Wiese reside em Ibirama, SC. Entre suas obras, destaca-se A Sétima Caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de Letras.

Um comentário:

  1. Corujas eu as acho belas.
    Dos gansos eu corro.
    Cães são amigos leais.
    Gatos são fofos, mas tão volúveis...
    Dos fantasmas meu amigo, quero
    distância, sou covarde por demais.
    Mas, amei sua crônica.
    Abraços

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