terça-feira, 18 de janeiro de 2011


Varinha mágica ou borboleta

A poesia, para mim, é um gênero mágico. Primeiro, porque permite que eu divague, quer ao compor um poema. quer ao ler algum composto por outro poeta, sem precisar, necessariamente, fixar-me em um único assunto. Segundo, por prescindir de explicações, que muitas vezes me torna prolixo, monótono e cansativo em minhas abordagens. A poesia é para ser sentida e não propriamente para ser entendida. E a terceira razão da minha preferência por esse gênero é o fato dele estimular a divagação. Em certos momentos da vida, isso não somente é delicioso e estimulante, como é, até, necessário para a manutenção da sanidade mental.

É a leitura ideal, por exemplo, para dias, como o de hoje, em que me encontro com a mente lassa, cansada, dispersiva, sem conseguir a desejada concentração em um tema definido para abordar com vocês. Quero tratar de uma porção de coisas ao mesmo tempo, mas sei que isso faria uma bagunça no cérebro do leitor e o levaria a buscar outra ocupação que não a de ler este meu blá-blá-blá. Por mais específica que seja, ainda assim a poesia é genérica, pelo menos mais do que a crônica, o ensaio ou os gêneros ficcionais: romance, conto e novela.

Atribuo-lhe uma série de epítetos, de conformidade com o meu estado de espírito no momento. Há ocasiões em que a considero como uma espécie de varinha mágica, que tem o condão de transformar até a suprema feiúra em beleza. Em outras, ela me insinua tratar-se de uma borboleta. Como esse estranhíssimo inseto, emerge bela, livre e gloriosa do que é, em princípio, asqueroso verme. A poesia é assim. Transforma palavras comuns e banais em pérolas preciosas, em diamantes, esmeraldas e safiras.

Por falar em borboleta, folheando uma antologia de poetas franceses, deparei-me com este inteligente poema, escrito por Miguel Zamacois – tão bem traduzido por Raimundo Magalhães Junior –, intitulado “A desconhecida”, que diz: “Certo dia, faz muito, há séculos talvez,/voou uma borboleta, – era a primeira vez,//tão bela que, em redor, as coisas, espantadas,/ficaram como que, a um tempo, alucinadas.//Vendo o inseto passar, purpúreo, azul, dourado,/perguntaram: ‘Que é esse objeto dourado?’//A terra disse ao vê-la, faiscante como brasas,/’é uma pedra rara a que nasceram asas!’//A diligente abelha assim depois falou:/’Um pedaço, talvez, do arco-íris, que tombou!’//’É um raio irisado’, – eis o que a rocha pensa, –/’como um dos meus cristais que a luz do sol condensa’.//Logo um pássaro diz: ‘Coisa igual jamais vi!/É a síntese ideal, supera o colibri!’//E a rosa diz, por fim: ‘É um prodígio esta flor./Pois, cem vezes já vi lhe transmutar a cor!’”.

Confesso que não conhecia esse poeta francês até topar com este precioso poema. Precioso e inteligente. É desnecessário dizer que me encantei com esses versos e que iniciei, após sua leitura, paciente e meticulosa pesquisa em busca de outros poemas do mesmo autor. E gostei do que pude ler. Ele consegue manter o nível.

Fiquei imaginando com meus botões: “Como um poeta dessa envergadura é quase um ilustre desconhecido (pelo menos aqui no Brasil) enquanto tanto charlatão, mestre em lugares-comuns e obviedades goza de prestígio que não lhe caberia gozar?! Nem sempre o árbitro das nossas produções, o leitor, é criterioso, sábio e justo. Este é um dos mistérios dessa atividade que tanto amo, mas que tantas frustrações já me causou: a literatura.

É verdade que Zamacois se destacou mais como dramaturgo, com várias peças de sucesso encenadas, notadamente na França, na primeira metade do século XX (nasceu em 1866 e morreu em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, durante a ocupação nazista do seu país). É, a poesia, embora gênero da minha predileção, é, mesmo, cruel com seus produtores. Poucos poetas conseguem o prestígio que merecem. Por isso, a classificação metafórica que lhe dou, a de “borboleta”, cai-lhe à perfeição, como uma luva.

E por que? Muito simples. Porque nasce, não raro, de emoções caóticas, de paixões indomáveis, de sentimentos não raro ruins. Hiberna no cérebro do autor por um determinado período, em que passa por miraculosa metamorfose. E, em determinado dia, emerge à luz do sol, colorida, gloriosa e bela, encantando os olhos e os corações. Mas, em boa parte das vezes (talvez na maior), tem vida efêmera, curta, curtíssima, quiçá de 72 horas ou menos.

Como a borboleta, a poesia é, simultaneamente, “pedra rara a que nasceram asas”; “pedaço do arco-íris que tombou”; “um raio irisado”; “síntese ideal que supera o colibri” e “um prodígio de flor que transmuta centenas de vezes de cor”. Pode ser inútil, como o inseto (embora eu a ache utilíssima); pode ser tão frágil que se despedaçaria ao mínimo toque; pode ser efêmera, mas é de magnífica beleza, enquanto dura...

Boa leitura.

O Editor.

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