sábado, 29 de janeiro de 2011




Silvio José

* Por Urda Alice Klueger

(Para Sílvio José Bittelbrunn Sardanha)

Tenho o privilégio de ser vizinha de Sílvio José há quase ano e meio, o que significa que o conheci muito menino – atualmente, com dez anos, esticou um bocado, está ficando com jeito de mocinho e, além de ser bom aluno na escola, recém fez sua primeira comunhão com a solenidade e a seriedade de um pequeno noivo.
Não sei muito do seu passado, mas imagino que um dia sua mãe o recebeu da Cegonha como o grande prêmio da vida dela, e que cuidou daquele bebezinho e do menino que veio depois com tal desvelo e carinho que não havia como ele não se tornar o menino educado, prestativo e gentil que acabei conhecendo há menos de ano e meio, pois sempre ele foi assim comigo e com meu cachorro Atahualpa, desde que nos mudamos para a nossa nova casinha que hoje é rosa e branca e onde somos tão felizes!
Temos, acima, uma pequena biografia de um menino bastante comprido e alto para a sua idade, tendo já no rosto e no corpo as marcas certas do moço bonito que vai ser, e sempre é um prazer estar com ele, mas há algo nele que o diferencia dos outros meninos que conheço, e é sobre tal coisa que quero falar.
Como menino normal do seu tempo, Sílvio José tem passado muitas e muitas horas da sua infância brincando com videogame e com outros jogos assemelhados.
- E com que brincas? –perguntei-lhe, curiosa.
Ele brincava com lutas de monstros, pelo jeito as suas preferidas.
- E como foi que aprendeste espanhol?
Ele me explicou que havia diversas probabilidades de línguas para escolher, quando se abria os jogos com que brincava. Menino alfabetizado e morador do Brasil, a lógica é que escolhesse a língua materna, a portuguesa, este português que é língua de Camões e de Saramago e que tem palavras únicas no mundo sobre as nuances de determinados sentimentos. Uma lógica de pernas mais fracas nos diria que talvez escolhesse as línguas ancestrais, as que seus antepassados trouxeram um dia da Alemanha e da Itália – mas não, Sílvio José estava mais conectado ao seu tempo. Mesmo sem saber nada destas coisas de Mercosul e de outras necessidades futuras, ele firmemente optou pelo espanhol, e fiquei admiradíssima quando o vi dirigir-se a mim pela primeira vez com expressões novas:
- Hola, como estas? – no mais puro sotaque da Espanha. Embatuquei – numa cidade como a nossa, onde as pessoas ainda marcam passo nas línguas dos imigrantes e na do dominador decadente, era estranhíssimo ver aquele menino falar com tal desembaraço a utilíssima língua espanhola que tão importante será nestes tempos que já começaram, o tempo da integração da América dita Latina.
- Como aprendeste esta língua? – quis saber.
- Jogando videogame! – explicou-me com candura
- Mas sozinho?
- Não, com os jogos de monstros!
Claro está que ele ainda está longe de poder ser um professor do Instituto Miguel de Cervantes, mas Sílvio José está falando o mais legítimo portunhol, ainda misturando vocabulários, mas com noções de gramática, excelente entonação, conhecimento de expressões e até de gíria. E tudo isto aprendeu com os monstros do seu videogame, sem nenhuma pessoa a lhe dar nenhuma aulinha. É ou não é uma pessoa especial esse meu pequeno vizinho? Tento imaginar onde será o limite do futuro de um menino assim! Haverá limite? E ainda há quem diga que as crianças não gostam de aprender!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Urda, caso você conhecesse meu querido e hiperativo filho, ainda hoje em uso de Ritalina, escreveria, não uma crônica, mas vários livros, porque ele é uma fonte inesgotável de coisas interessantes, como também você tem um modo pouco habitual de colocar adjetivos nas coisas, pessoas e animais. Seu talento é desbanalizar o mundo, enfeitá-lo e nos servir com toda a graça e glamour. Isso é ótimo para nós!

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