sábado, 27 de novembro de 2010


Arte de viver


Os bons artistas são peritos na detecção da fonte da beleza, e de criar, por conseqüência, obras maravilhosas, que nos embevecem e admiram. Observam tudo e todos e dessa acurada observação nascem sinfonias sublimes, como se fossem antífonas dos anjos; poemas encantadores de amor e de esperança; quadros que reproduzem à perfeição a natureza e vai por aí afora. São, pois, admiráveis, e admirados, no que fazem.
Todavia, salvo raríssimas exceções, esses artistas são uns desastrados na mais importante das artes, na que lhes traria a perene (ou quase) felicidade: na de viver. De poucos deles se pode afirmar que tenham vivido sequer razoavelmente, quanto mais bem.
No século XIX, por exemplo, nossos melhores poetas, os que marcaram indelevelmente suas passagens na literatura brasileira, morreram jovens, mal saídos da adolescência, antes dos 30 anos, como foram os casos de Castro Alves, Álvares de Azevedo e tantos outros. Claro que isso não aconteceu só no Brasil e nem apenas no período citado. Mencionamos esses casos somente a mero título de exemplificação.
Analisem as biografias dos grandes artistas, dos que hoje são considerados modelos em suas respectivas artes. Dessa análise, certamente, concluirão o que está mais do que evidente: que a imensa maioria (se não a totalidade) apresenta uma característica comum: a infelicidade. Inúmeros deles recorreram ao álcool e às drogas para aplacar os demônios interiores. Vários cometeram suicídio, abreviando trajetórias que tinham tudo para serem até mais brilhantes do que foram. Muitos morreram em hospícios, como foi o caso de Vincent Van Gogh. Infelizes. Foram sumamente infelizes.
Querem exemplos de alguns artistas suicidas? Aí vai uma relação, bastante incompleta, de alguns deles: Alexander Fadeyev, Antero de Quental, Antonin Artaud, Camilo Castelo Branco, Cesare Pavese, Emilio Salgari, Ernest Hemmingway, Florbela Espanca, Guy de Maupassant, Horácio Quiroga, Ingeborg Bachmann, Jack London, John Kennedy Toole, Marcel Schwob, Mário de Sá Carneiro, Paul Celan, Pedro Nava, Sandor Marai, Serguei Iessenin, Stefan Zweig, Sylvia Plath, Torquato Neto, Virginia Woolf, Wladimir Mayakowski e Yukio Mishima.
Alguns abreviaram a vida para se livrar de terríveis, quase insuportáveis sofrimentos físicos, vítimas de doenças incuráveis. Outros o fizeram para fugir de tormentos emocionais e/ou psicológicos. Outros, ainda, perderam o encanto de viver. Todos conheciam o “céu”, criaram beleza dos reflexos do Paraíso que vislumbraram, mas não souberam entrar nele e gozar de suas delícias. Foram incompetentes para praticar a maior de todas as artes: a de viver.
Há quem jure que para gozar plenamente das delícias que a vida pode proporcionar, há que se ter dinheiro, muito dinheiro, em interminável profusão. Discordo. Recursos financeiros podem, de fato, ajudar a obter o que há de melhor e de mais prazeroso (e de fato ajudam), mas não são essenciais. Claro que o outro extremo, o da miséria absoluta, não possibilita a mínima felicidade a quem quer que seja.
O indispensável é saber “gastar” (não esbanjar) o que se tem, seja pouco ou seja muito. A maioria dos milionários que conheço não tem essa ciência. Tem asas, mas não sabe voar. E nessas circunstâncias, esse recurso, que deveria lhes ser benéfico, apenas os atrapalha de caminhar.
Muitos sujeitos desses, por maior que seja sua fortuna, apenas se preocupam em aumentá-la. Lá um belo dia, porém... zás, vem o enfarte e tudo o que amealharam (ou herdaram, sabe-se lá) fica para os outros. Eles, que foram detentores dessa riqueza, deixam a vida da mesmíssima forma que o mais indigente dos indigentes. Tiveram asas, mas não souberam voar.
Escrevo estas palavras não com a postura de perito na arte de viver, longe disso. É certo que não tenho muito do que me queixar. Tenho lá meus repentes de felicidade, sucedidos, aqui e ali, por chateações (muitas) e dores (algumas), mas nada muito sério que me leve a desejar abreviar esta aventura fascinante, que é a vida. Minhas conclusões, pois, não são propriamente as de “personagem”, mas as de mero “observador”.
Aprendi que a fonte do prazer está na moderação. Que nosso maior patrimônio é a saúde, e de um ponto de vista holístico, ou seja, de corpo e de mente. Que a felicidade está no usufruto de coisas aparentemente pequenas e triviais, mas que são as que importam, ou seja de uma boa comida, simples, mas saudável e saborosa; de boa bebida, que nos relaxe, mas não nos embriague; de bom sexo, feito com amor e entrega e tudo, tudo, tudo em pequenas porções. Ou seja, que não nos satisfaçam por completo (e muito menos nos enfarem) e nem nos faltem por completo. E, sobretudo, de paz de espírito.
Concordo, pois, com a “receita”, recomendada pelo poeta Luís Augusto Cassas, nestes versos do seu poema “O prazer”: “Queres ser mestre/na arte de viver?/igual Moisés no deserto/que ergueu a serpente ao alto/às regiões celestes/dirige o prazer/(não sucumbas à tentação/de entrevar o coração)”. E aduzo: tudo com moderação. Ou seja, “dirigindo o prazer”, sem “entrevar o coração”.


Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Um conhecido, que comia demais, disse que media a vida pela largura e não pelo comprimento. Infelizmente a vida dele não está larga, apenas comprida, e incompleta. Portador de diabetes, após uma cirurgia cardíaca devido a um infarto, veio a ter uma embolia e ficou hemiplégico. A vida dele tem sido duríssima. Há quem julgue que a vida mediana também não serve, por ser morna. As grandes emoções acontecem fora do gráfico. Há ainda a vida vazia, que passa num susto e a pessoa lamuria por não tem vivido nada do que programou, por que não teve coragem de viver. Estão aí as três medidas. Escolha a que melhor lhe cabe.

    Pedro, este editorial está muito parecido com um outro escrito um tempo atrás, com o mesmíssimo tema. Achei até que seria o próprio. Estou enganada?

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