sexta-feira, 29 de outubro de 2010




Madrugada quente

* Por Eduardo Oliveira Freire


Yolanda chegou cansada do trabalho.


A primeira coisa que viu foi a Olivetti sobre o sofá-cama. A madrugada avançava. A quitinete estava um forno e mesmo com a janela escancarada, não vinha sequer uma brisa. Yolanda (só de calcinha) escrevia alguns poemas, sentada no sofá-cama e com a máquina de escrever portátil sobre os joelhos. As horas passavam, o calor continuava. Ela parou de escrever e foi beber água. O seu corpo estava todo suado. Decidiu tomar banho para se refrescar. Não adiantou, a água estava quente.

“Está tão quente, que parece que vou derreter, aliás, que tudo em minha volta se transformará numa poça de suor”. Quando saiu do banheiro, lembrou-se da discussão com Clara, que a chamou de alienada. Revoltada, Yolanda respondeu que tinha consciência dos problemas que o país estava passando: a repressão militar e as mazelas sociais, mas que não podia se esquecer de sua família, principalmente da mãe, que estava muito doente.

Às vezes sentia raiva, queria ser sozinha para seguir os seus ideais e desejos. Andou em direção à janela. Recordou que a mãe lhe dizia sempre: – Você é que nem um passarinho. Frágil, mas livre –. Calor, sono, pensamentos e poemas por passar a limpo se misturavam. Estava tão cansada, que dormiu entre os papéis e a Olivetti. No meio de tanto desconforto, ficou o último poema que acabara de passar a limpo:

“A verdadeira nudez é caótica.
Não se pode entendê-la, mas senti-la.
Deve-se buscar o lado animalesco
e deixar o humano de lado”.
Yolanda Ferreira


* Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e aspirante a escritor. Blog:
http://cronicas-ideias.blogspot.com/

Um comentário:

  1. Enquanto houver sonhos em Yolanda o dia seguinte
    sempre valerá a pena.
    Abração

    ResponderExcluir