quinta-feira, 16 de setembro de 2010




Meus montinhos de sucata

* Por Fernando Yanmar Narciso



Quase todo mundo gosta de ir juntando um monte de tralha nas gavetas e nos armários, às vezes sem propósito algum. Afinal, nunca sabemos quando aquela bolacha mordida até a metade, aqueles sapatinhos Bubble Gummers de quando tínhamos 3 anos ou aquele canivete enferrujado que não corta mais nem manteiga pode ser útil de novo. Minha mãe é um dos raros casos de gente que odeia esse tipo de atitude. Encher a casa de penduricalhos e enfeites nunca foi a praia dela. Nossa casa sequer tem uma parede reservada aos meus troféus. Que sorte, pois além do diploma, eu não tenho mais nenhum.
Aprendi com meu pai a me apegar às minhas coisas. Tenho o costume de jogar as tralhas fora só quando estiverem apodrecendo de velhas. Acreditem ou não, ainda tenho os meus sapatos de quando eu era bebê, e não tenho idéia até hoje do motivo de ainda os termos. Guardo até hoje uma carteira falsificada das Tartarugas Ninjas, dada por uma vizinha quando eu tinha 6 anos, quando a febre por bugigangas vindas do Paraguai dava seus primeiros passos. É um de meus amuletos da sorte e eu ainda a uso como meu “cofre de porco” particular. Não importa em quantas casas eu já tenha morado ou quantas vezes eu tenha limpado meus armários – acreditem, isso pode acontecer! –, ela nunca foi pro lixo. Todas as nossas fitas K-7 de 20 anos continuam guardadas. Nem sei se ainda funcionam, mas as mantemos pelo valor histórico.
Meu pai comprou três anos atrás um Passat branco 1987, de quatro portas, e ninguém poderia dizer que ele é tão antigo, pois não passa um dia sem meu pai passar flanela nele ou fazer reparos mecânicos. Qualquer desavisado seria capaz de dizer que o carro acabou de sair do pátio da fábrica. Meu pai sempre diz que as coisas de antigamente tinham bem mais qualidade que as de agora. Ele também possui um rádio Transglobe da Philco dos anos 70, com o corpo de madeira, e ainda funciona perfeitamente. Costuma também dizer que o melhor aparelho de som que ele já teve foi uma vitrola construída pelo pai dele nos anos 50. Deve ser coisa de homem mesmo, gostar de coisas antigas. Cuecas só no elástico, sapatos furados, carros “clássicos” faltando uma porta, camisas puídas, meias encardidas, calças desbotadas, escovas de dente ainda feitas com crina de cavalo...
Às vezes tenho de concordar com a maneira de pensar do meu pai. Nada hoje em dia é feito pra durar. Computadores têm vida útil de até quatro anos -e olhe lá!-, carros 0 km já parecem caixas de sapatos sobre rodas depois de três anos, móveis que costumavam durar para sempre começam a esfarelar de velhos da noite pro dia. Até mais ou menos os anos 70 as coisas eram feitas para sempre, até porque, com a crise econômica e a pobreza nos tempos da ditadura, era o único jeito de se possuir alguma coisa. Mas na última década, com a tal da mão-de-obra barata chinesa e a tecnologia andando a passos mastodônticos, a ordem é compre ontem, quebre hoje, compre outro amanhã.
Possuo em meu quarto uma verdadeira relíquia histórica: um videocassete Panasonic G-21 de 1987, um dos primeiros a chegar na cidade. Era uma coisa tão cara na época que, para comprar, você tinha que entrar num consórcio, tal qual para comprar um automóvel. Ele ainda funciona, mas vive dando uns defeitinhos aqui e ali. Eu me recuso a tacar o pobre na lata de lixo. Sempre o levo no mesmo técnico de algumas quadras acima, e ele consegue fazer a lata velha ressurgir das cinzas. Aos trancos e barrancos, mas consegue. Mesmo não existindo mais peças de reposição nem mesmo no mercado negro, não tem nada que um pouco de palha de aço e uma pontinha de solda não consigam resolver. Nunca deixarei a chama dessa preciosidade da tecnologia japonesa se extinguir.
Claro que nem sempre se pode ter tanto apego às coisas. Semana passada fui forçado a aposentar meu bom e velho scanner com dez anos de uso, como já contei aqui, assim como minha mesa digitalizadora de estimação. Se existe coisa que não vale à pena ter para sempre são componentes de computador, nem como item de coleção. Sempre criam um plug-in novo, uma entrada nova de periféricos que não é compatível nem com o teclado nem com o mouse... Uma tia minha ainda possui encostado no barracão o primeiro computador que ela comprou em 1993, equipado com o famoso Windows 3.1, e cada parte dele ainda funciona perfeitamente, até aquele mouse que parece uma caixa de fósforos das grandes, ainda locomovido à bolinha. Minha teoria: Quanto mais arcaico o design de qualquer coisa, mais tempo ela dura.


* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

2 comentários:

  1. Ok, costumo guardar algumas tralhas...mas
    a grande maioria já me desfiz. Tento não me apegar
    a nada, pois sei que no dia em que me for, vão jogar
    tudo fora. Então curto o seu tempo útil e depois
    sem muito pesar os aposento.
    Abração Fernando

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  2. Um perfeito exemplar da década de oitenta( para ser mais exata, nascido em 1984) e que já nasceu saudosista, e hoje é especialista na década em que nasceu. Vem a surrada frase: " SAUDADE NÃO TEM IDADE".

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