sábado, 25 de setembro de 2010




Desculpas de outono

* Por Fábio de Lima

Estava trancado em meu escritório pensando na vida. Sentado numa cadeira giratória preta, batendo com a ponta da caneta Bic na mesa, passando a mão esquerda em meu cavanhaque e imaginando tanta coisa – que no momento que começo a digitar esse texto já nem lembro o que tanto eu imaginava. Olhei no relógio do computador e vi que eram 3h17. Plena madrugada e eu, ao invés de estar dormindo, ficava girando naquela cadeira e pensando na morte da bezerra.

Nunca entendi direito alguns ditados populares. Sei que quando ouço alguém falar que está pensando na morte de bezerra fala de algo já acontecido e, portanto, inevitável. Mas me pegar pronunciando esses ditados não é comum. Escrevê-los então, menos ainda. O fato é que eu estava triste. Havia brigado com uma amiga de trabalho durante a tarde. Era mais que uma amiga de trabalho, na verdade, era uma amiga pessoal que, por razões ou coincidências, também trabalhava comigo.

Olhei um quadro pendurado na parede e o achei feio. Era um palhaço com olhar melancólico e uma lágrima escorrendo pelo rosto. Adoro quadros de palhaços – amo quadros de palhaços chorando, mas naquele momento não importava a beleza do quadro – eu acharia qualquer obra de arte feia e sem graça. De feio e sem graça já bastava eu naquela madrugada fria de outono.

Será que ela tinha razão? Ela me disse que o entrevistado não ficara bem no vídeo e que eu deveria ter notado a dificuldade do economista em fazer-se entender já no telefone. Disse ainda que na edição da reportagem o economista entraria por apenas 7 segundos no ar. Pediu ainda que eu jamais o convidasse para uma entrevista novamente. Eu retruquei dizendo a ela que o entrevistado era uma fonte boa – que costumava dar ótimas entrevistas para jornais impressos e que por isso eu o convidara para a reportagem de TV.

Depois de vozes mais exaltadas, suspiros irritados e alguns xingamentos – calamos. A discussão foi logo depois do almoço e durante o resto da tarde não nos falamos. Como já informei ao leitor, somos amigos e uma discussão entre amigos é normal – a liberdade que um tem com o outro possibilita isso. Mas nos conhecíamos há 13 anos e nunca havíamos xingado um ao outro. Portanto, essa briga era diferente. Em nossos olhos estava claro que era diferente.

Dei um soco na mesa – levantei da cadeira e resolvi tirar o sapato e a roupa. Era hora de ir para o quarto, cair na cama e dormir. Não adiantava remoer mais isso. Afinal, fora uma briga de trabalho. Uma briga entre amigos. Então, era só pedir desculpas no dia seguinte – dizer que estava nervoso quando falei tudo aquilo. Ela, provavelmente, falaria a mesma coisa e daríamos uma boa risada. Nada como um dia depois do outro, era isso que eu pensava. Mas, às vezes, o amanhecer nunca chega.

Nenhuma posição na cama estava confortável. Eram 4h35 no meu rádio-relógio. Horário ruim para ligar para alguém. Mas, eu não ligaria para qualquer pessoa – ligaria para uma grande amiga. Ligaria para alguém que conheço há mais de uma década. Estudamos juntos na faculdade. Já havíamos dividido refeições, feito confidências amorosas, viajado juntos para ver o mar, chegamos até a namorar por parcos 2 meses. Éramos amigos de verdade e não apenas de ocasião. Não dava para esperar pelo amanhecer.

-Renata?
-Fábio?
-Te acordei?
-Não. Estava acordada. Algum problema?
-Não. Quer dizer, sim.
-O que...
-Desculpa! Me desculpa!
(Silêncio)
-Eu que devo te pedir desculpas...
-Não, sou eu...
-Fábio, o economista nem era tão ruim assim.
(Rimos)
-Ele era péssimo, Renata! Nunca mais o chamarei. Eu prometo!
-Eu te desculpo, Fábio!
-Obrigado!
-Que isso, bobo! Isso acontece. Além do mais, fui uma grossa com você.
-Que isso, boba! Isso acontece.
(Rimos novamente)
-Noite fria essa, hein Rê?!
-Verdade. Eu até me cobri com 2 edredons...

Já perdi muitas noites de sono por motivos dos mais variados. Já perdi a paciência com muita gente. Já perdi namoradas que gostei e até uma esposa que amei. Deixei escapar dinheiro dos meus bolsos. Empregos bons também perdi. Dos meus pais e avós só restam fotos e lembranças. De dois cachorros queridos só lembranças. Em muitas festas boas não pude ir. Então, se a vida é feita de tantas perdas – algumas delas irreparáveis – tomo muito cuidado para não perder amigos. Afinal, quero sempre ter para quem ligar a qualquer dia e qualquer hora – mesmo que sejam 4 horas da madrugada. E você, caro leitor, já pensou quantas pessoas o atenderiam sorrindo numa madrugada fria de outono?

*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.

2 comentários:

  1. E quando a gente pede mil desculpas e o amigo
    ou amiga apenas se despede de ti lhe desejando
    boa sorte e que fique com Deus?
    É de dar nó na garganta...
    Se alguém precisar de mim na madrugada...pode
    ligar viu.
    Belo texto.

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  2. Acho que ninguém me atenderia com um sorriso às 4 h, porém costumo atender pessoas de madrugada, - mas também com a profissão que tenho. Odeio brigas e desencontros. Muito melhor é quando podemos conversar e voltar tudo, ou quase tudo a situação anterior ao desentendimento.

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