quinta-feira, 26 de agosto de 2010




Por um sindicato comprometido com o trabalhador

* Por Magali Moser

Será um dia histórico para Chapecó. Em 1º de setembro, pela primeira vez em 22 anos, o município do meio oeste catarinense vai testemunhar uma eleição para o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados (Sitracarnes). A ausência de eleição foi denunciada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) que processou o sindicato e seus dirigentes por estabelecerem acordos coletivos em prejuízo dos trabalhadores e por fraude nas eleições. O MPT apontou ainda que “há uma verdadeira legião de jovens lesionados nos frigoríficos e o sindicato atua em prejuízo à própria saúde do trabalhador”. A maioria dos trabalhadores do Sitracarnes é da Sadia, fundada em 1944 a partir da compra de um pequeno frigorífico em Concórdia e hoje considerada uma das maiores empresas de alimentos da América Latina e uma das principais exportadoras do país.
Duas chapas concorrem à eleição. A chapa 1, da situação, e a chapa 2, da Oposição Sindical. A ânsia por mudança é tanta que Neucira Terezinha Rosa Enderle, 40 anos, chegou a sonhar por duas vezes com a vitória da chapa 2. Ela via o carro de sonho anunciar a vitória dos trabalhadores e participava da comemoração. Operadora de produção do setor de Hambúrguer da empresa há cinco anos, Neucira faz parte da legião de 1200 trabalhadores lesionados pelo trabalho e que estão afastados da empresa. Nascida em Irani, município vizinho, ela abandonou a vida na roça depois de acumular prejuízos e se viu obrigada a trabalhar como empregada.
- Demorei um ano pra me acostumar. Aquele paredão de concreto, sem janela, sem contato com a natureza, sem poder conversar direito com as pessoas. Quando me acostumei com o ambiente, fiquei doente, com tendinopatia – conta.
A lesão nos braços impediu Neucira de fazer atividades básicas como varrer a casa, descascar uma mandioca ou esfregar uma meia. Ela mora no Efapi, bairro operário onde fica a fábrica da Sadia e estão concentrados os trabalhadores. Dos R$ 648 que recebe, R$ 150 vai para o aluguel da quitinete chamada por ela de “porãozinho”, onde mora com a filha. Jamais pensou em fazer parte de um sindicato, mas sentiu que precisava denunciar o que chama de trabalho escravo.
- A gente estava com os olhos tapados. Só pensava em trabalhar. Mas aqui um frango tem mais valor que a vida de um trabalhador – resume João Anildo Iora, 46, que trabalha há 20 anos como operador de máquina no setor de Embalagem de Peru e perdeu parte de dois dedos na empresa.
Os trabalhadores colecionam histórias de mutilação como a de João Francisco Felippi, de 29 anos. Ele escorregou dentro da máquina de mistura de temperos e perdeu a perna direita. O acidente foi em dezembro de 2007, quando a filha tinha 23 dias. A mulher dele, que na época também trabalhava na empresa, entrou em depressão e foi demitida. Hoje, Felippi recebe metade do salário – R$ 360 – da previdência e aguarda por uma prótese. A constatação da ausência de precauções para evitar mutilações em empregados pode ser vista pela placa, em frente à empresa. Dia 20 de agosto anunciava: “estamos trabalhando há oito dias sem acidentes com afastamento. Nosso recorde é 115 dias”.
- O funcionário tem 8 segundos para desossar uma coxa. Não dá nem tempo de enxergar a faca. Se vencer, eles diminuem o tempo. Aqui ninguém mais quer trabalhar. Estão indo buscar gente no Rio Grande do Sul. Os trabalhadores ficam quatro horas num ônibus e depois mais 8 horas na empresa – conta Laires Schneider, funcionário do setor de Evisceração de Peru por 26 anos e que foi demitido sob a “justificativa de redução do quadro” quando passou a manifestar seu envolvimento com a chapa 2.
- O sindicato é uma ferramenta para o trabalhador. E aqui isso não acontece. Se alguém reclamava, eles mandavam embora. Sofri várias ameaças por telefone e pessoalmente. Diziam que era pra eu ficar fora disso, preservar minha vida. Vivemos uma ditadura sindical – relata Jenir de Paula, candidato a presidente da chapa 2, que foi demitido após divulgada a participação no movimento sindical e conseguiu a reintegração na justiça.
Em Chapecó foi criada a primeira filial da Sadia, apontada como a marca mais valiosa do setor de alimentos brasileiro por quatro vezes. Na fábrica, são 6 mil empregados, a maioria é mulher. Os trabalhadores contam que são abatidos 200 mil frangos por dia. Em frente à fábrica, os caminhões lotados de aves não param de chegar. O cheiro é insuportável. Sindicatos de todo o Estado apóiam a chapa 2, inclusive centrais sindicais como CUT, Conlutas e Intersindical.


• Jornalista

Um comentário:

  1. Que o seu depoimento aqui seja o começo
    de mudanças e que um dia(espero que seja logo),
    os operários tenham respeitados
    os seus direitos inalienáveis.
    Abraços

    ResponderExcluir