terça-feira, 29 de junho de 2010




O número 40 e seus mistérios

* Por Risomar Fasanaro



Madrugada de sexta-feira, dia 18, insistentemente uma pergunta me persegue: qual o significado do número 40?


Embora confesse que fui má aluna de Matemática, sou profundamente curiosa a respeito dos números


E por que naquele dia a curiosidade estava dirigida ao número 40? É que minha amiga Alfredina Nery reuniria os amigos naquela noite, para comemorar seus 40 anos de trabalho na Educação.
Alfredina, ou Dina, como nós seus amigos a chamamos, percorreu este caminho na rede oficial de ensino do Estado de São Paulo, transmitindo seus conhecimentos de Língua portuguesa e Literaturas brasileira e portuguesa a várias gerações de alunos. Muitas vezes em classes superlotadas com 45 alunos.


E naquela madrugada me perguntava por que alguém comemoraria esses 40 anos? Por que justamente agora quando o ensino na rede oficial desse Estado deixa tanto a desejar, e quando tantos professores se queixam das formas de avaliações e de bônus que lhes são atribuídos, e que nem todos recebem?


Trabalhamos juntas muitos anos, por isso lhes asseguro, vi com que dedicação e sabedoria desenvolveu sua carreira. Mais do que professora, é uma educadora, daquelas que hoje já não existem. Incansável. Quando todos perdiam a esperança. Ela estava lá: entusiasmada, sempre nos trazendo alguma novidade.


Mas, mesmo assim, por que comemorar 40 anos de carreira quando tantos desistiram no início, ou no meio ou não querem, depois de aposentados, nem ouvir falar em aula, em escola, em Educação? Uns porque o salário é baixíssimo, outros por terem sido vítimas de violência, outros porque...


Confesso que não encontrei resposta.


Comecei a me lembrar de algumas passagens bíblicas ligadas ao povo judeu e ao povo cristão: Noé construiu uma arca onde abrigou o povo do dilúvio durante 40 dias e 40 noites; Moisés jejuou 40 dias antes de receber o 1º texto escrito: os 10 andamentos; e foi esse o número de anos de sua peregrinação pelo deserto liderando seu povo, em busca da Terra Prometida.


E está lá, na Bíblia, que Jesus jejuou 40 dias antes de iniciar seu ministério, e esse também foi o número de dias que esteve com seus discípulos após sua ressurreição.


Passei o dia todo pensando: que relação teriam esses fatos com a carreira de minha amiga?


Teria ela construído alguma arca onde nos abrigasse para nos salvar do dilúvio em que nos colocaram? Teria ela jejuado durante esses 40 anos e somente agora viesse a nos revelar o verdadeiro sentido do ministério?


Teria ela peregrinado pelo deserto de nossas escolas e somente agora pudesse nos contar que em uma noite estrelada um beduíno lhe revelara a beleza e os mistérios que há nos poemas, contos e romances, e que antes só aos seus alunos revelara? E que aquele era o segredo que guardara durante esses 40 anos?


Ou teria ela adquirido o poder de fazer ressurgir a Educação que sempre desejamos proporcionar a todas as crianças desta terra de Vera Cruz?


Não sei. Hoje só tenho perguntas.



* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

2 comentários:

  1. A paixão faz com que a gente continue.
    Faz com que a gente persista.
    Que a gente busque e mesmo que tudo
    possa parecer desfavorável, desanimador
    ou frustrante, a gente continua.
    Esse é o legado da sua amiga. Isso
    é dom.
    Parabéns Riso pela bela homenagem.
    Beijos

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  2. Boas questões. Não tinha associado esses números. De nossa parte temos o costume de chamar qualquer profissão sacrificada de sacerdócio. O caso da sua amiga deve ser mais um caso desses.

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