domingo, 30 de maio de 2010




Salvando a Humanidade

Por Isaac Asimov

Certa noite, meu amigo George me disse, com um suspiro:
- Tenho um amigo que é um kfutz. – Assenti gravemente.
- Pássaros da mesma plumagem. – George olhou para mim, espantado.
- Quem falou em penas? Você tem uma mania detestável de mudar de assunto. Conseqüência, suponho, de sua incapacidade intelectual… que menciono por pena, e não como crítica.
- Ora, ora… pense como quiser. Quando fala de seu amigo klulz, está se referindo a Azazel?

Azazel é um demônio ou ser extraterrestre (como você preferir) de dois centímetros de altura a respeito de quem George fala constantemente, parando apenas para responder a uma pergunta direta. Ele me disse, em tom gélido:
- O nome de Azazel não deve ser mencionado em nossas conversas. Não sei como ouviu falar dele.
- Acontece que um dia cheguei a menos de um quilômetro de distância de você – retruquei.

George não me deu atenção e começou:

A primeira vez que ouvi a estranha palavra klulz foi em uma conversa com meu amigo Menander Block. Você não o conhece, porque é um homem instruído, professor universitário, bastante seletivo em suas amizades… observando você, ninguém poderia culpá-lo por isso.

Ele me explicou que klutz é usado para designar uma pessoa desajeitada.
– Isso se aplica a mim – explicou. – Klutz vem do iídiche que significa um pedaço de madeira, um tronco, um toro; e, naturalmente, meu sobrenome, como você bem sabe, é Block [toro em inglês]. – Ele deu um profundo suspiro.

“Entretanto, não sou um klutz no sentido estrito da palavra. Não há nada de madeirento, troncudo ou toroso em mim. Sei dançar com a agilidade de um zéfiro e a graça de uma libélula; meus movimentos são fluentes como o de um silfo; várias jovens poderiam atestar minhas habilidades nas artes do amor. A verdade é que sou um klutz apenas a distância. Tudo que me cerca se torna klutzesco, sem que eu mesmo seja afetado. O próprio universo parece tropeçar em meus pés cósmicos. Se você não se incomoda de misturar duas línguas e combinar grego com iídiche, suponho que poderia chamar-me de íeleklutz.
- Há quanto tempo isso vem acontecendo, Menander? – perguntei.
- Durante toda a minha vida, mas, naturalmente, só quando me tornei adulto foi que me dei conta do estranho poder que possuo. Quando era criança, supunha que o que acontecia comigo sucedia também com as outras pessoas.
- Nunca discutiu o assunto com ninguém?
- Claro que não, George, amigo velho. Seria tomado como louco. Digamos que eu procurasse um psicanalista e tocasse na questão do teleklutzismo. Ele me mandaria para o manicômio na metade da primeira consulta, escreveria um artigo a respeito da descoberta de uma nova psicose e provavelmente ficaria rico. Não estou disposto a passar o resto da vida em um sanatório só para fazer a fama de um idiota vestido de branco. Não, isso eu não posso contar a ninguém.
- Então por que está me contando, Menander?
- Porque, por outro lado, tenho de contar a alguém para manter a sanidade. E você é a pessoa mais inofensiva que conheço.

Não entendi bem o que ele queria dizer com essa última parte, mas percebi que iria ser submetido, mais uma vez, às confidencias indesejadas de um dos meus amigos. Era o preço, eu bem sabia, da minha proverbial compreensão, simpatia, e, mais que tudo, discrição. Um segredo entregue aos meus cuidados jamais chega aos ouvidos de outra pessoa. (Estou fazendo uma exceção no seu caso porque sei que você não consegue prestar atenção por mais de cinco segundos e sua memória é ainda mais curta).

Fiz sinal ao garçom para trazer outro drinque e sinalizei, usando um código que só nós dois conhecíamos, que era para ser colocado na conta de Menander. Afinal, um trabalhador deve receber algum pagamento pela sua labuta.
- Como se manifesta esse seu teleklutzismo? – perguntei a Menander.
- Em sua forma mais simples, e no modo pelo qual primeiro me chamou a atenção, ele se manifesta através do tempo peculiar que acompanha minhas viagens. Não viajo muito, e quando o faço, vou de carro, e sempre que faço isso, começa a chover. Não importa a previsão do tempo; não importa que o sol esteja brilhando quando inicio a viagem. As nuvens aparecem, o céu fica escuro, começa a chuviscar e depois a chuva cai com vontade. Quando meu teleklutzismo está em dia particularmente inspirado, a temperatura cai e temos uma tempestade de neve.

“Naturalmente, já estou vacinado. Recuso-me a viajar para a Nova Inglaterra até o final de março. Na primavera passada, dirigi até Boston no dia 6 de abril… o que deu origem à primeira nevasca de abril em toda a história do Serviço de Meteorologia de Boston. Outra vez, fui até Williamsburg, na Virgínia, em 28 de março, imaginando que teria alguns dias de graça, já que estava tão no sul. Ah! Williamsburg teve vinte centímetros de neve naquele dia, e os nativos ficavam o tempo todo pegando no chão aquela substância branca e perguntando uns aos outros o que era.

“Muitas vezes pensei que, se supusesse que o universo era dirigido pessoalmente por Deus, poderia imaginar o arcanjo Gabriel chegando, esbaforido, à presença divina, para exclamar: Senhor, duas galáxias estão para colidir, em uma gigantesca catástrofe cósmica!” Deus responderia: “Não me perturbe agora, Gabriel; estou ocupado fazendo chover na cabeça de Menander.”
- Você é uma pessoa cheia de recursos, Menander – disse eu. – Por que não aluga seus serviços, por uma soma fabulosa, a uma firma de irrigação?
- Já pensei nisso, mas não daria certo; provavelmente eu passaria a produzir uma seca renitente por onde passasse.

Ou isso, ou verdadeiras inundações.

“Não é só a chuva, nem os engarrafamentos de trânsito; são muitas outras coisas. Objetos caros se quebram espontaneamente na minha presença, ou outras pessoas os deixam cair sem nenhuma razão aparente. Existe um sofisticado acelerador de partículas em Wheaton, Illinois. Um dia, uma experiência importantíssima fracassou porque o vácuo foi perdido; um defeito que até hoje não teve explicação. Só eu sabia (isto é, fiquei sabendo no dia seguinte, depois de ler no jornal a respeito do incidente) que no momento estava passando de ônibus nos arredores de Wheaton. Estava chovendo, naturalmente.

“Neste exato momento, amigo velho, parte do vinho de mais de cinco dias de idade deste restaurante, que envelhece na adega em garrafas de plástico da melhor qualidade, está azedando. Alguém que passou pela nossa mesa um momento atrás vai descobrir, quando chegar em casa, que um cano do porão estourou no momento exato em que passou por mim; claro que não vai saber que passou por mim e que foi essa a causa de tudo. Assim acontece com milhares de pequenos acidentes. Isto é, de supostos acidentes.

Senti pena do meu amigo, mas ao mesmo tempo meu sangue gelou ao pensar que estava sentado em frente a ele e que catástrofes inimagináveis podiam estar ocorrendo no meu humilde tugúrio.
- Em outras palavras: você é um pé-frio! – exclamei.

Menander jogou a cabeça para trás e olhou para mim com uma expressão de desprezo.
- Pé-frio – declarou – é o nome vulgar; teleklutz é a designação científica.
- Pois muito bem… pé-frio ou telekluiz, sabe que talvez eu possa ajudá-lo a livrar-se dessa maldição?
- Maldição é bem o termo – concordou Menander, com ar tristonho. – Muitas vezes pensei que, quando eu era bebê, uma bruxa malvada, aborrecida por não ter sido convidada para o meu batizado… Está querendo me dizer que você pode anular maldições porque é uma fada boa?
- Fada uma ova! – protestei, indignado. – Imagine, porém, que eu seja capaz de acabar com essa mal… com esse seu problema.
- Como vai fazer isso?
- Não importa. Está interessado?
- O que você vai ganhar com isso? – perguntou, desconfiado.
- A agradável sensação de haver salvado um amigo de uma vida miserável.

Menander pensou por um momento e depois sacudiu a cabeça.
- Isso não será suficiente.
- Claro, que se quiser me oferecer uma pequena quantia…
- Não, não. Jamais pensaria em insultá-lo dessa forma. Oferecer dinheiro a um amigo! Atribuir um valor financeiro a uma amizade? Que você pensaria de mim, George? O que eu quis dizer foi que não será suficiente remover o meu teleklutzismo. Você precisa fazer mais do que isso.
- Que mais vou ter de fazer?
- Pense! Durante minha vida, fui responsável pela infelicidade de milhões de pessoas inocentes. Mesmo que de agora em diante não traga mais infortúnios para ninguém, os males que já causei (embora jamais de forma intencional) constituem para mim um fardo muito pesado. Preciso me redimir de alguma forma.
- Como?
- Devo estar em posição de salvar a humanidade.
- Salvar a humanidade?
- De que outra forma poderia reparar os danos que causei? George, eu insisto. Se vai anular minha maldição, substitua-a pela capacidade de salvar a humanidade em um momento de crise.
- Não sei se vou poder fazer isso.
- Tente, George. Não seja tímido. Se vai fazer um trabalho, faça-o bem, é o que eu sempre digo. Pense na humanidade, amigo velho.
- Espere um momento – disse eu, alarmado. – Você está colocando toda a responsabilidade nos meus ombros!
- Claro que estou, George – disse Menander, afetuosamente. – Ombros firmes! Ombros de amigo! Feitos para suportar cargas pesadas! Vá para casa, George, e dê um jeito de me libertar da maldição. A humanidade lhe prestaria homenagens, agradecida, só que, naturalmente, ninguém ficará sabendo, porque não pretendo contar a ninguém. Suas boas ações não deverão ser corrompidas pela perda do anonimato.
-Fique tranqüilo, amigo velho, nosso segredo jamais será revelado!

Existe algo de maravilhoso na amizade desinteressada. Nada na Terra a ela se iguala. Levantei-me imediatamente para pôr mãos à obra; agi tão depressa que me esqueci de pagar minha parte do jantar. Felizmente, quando Menander percebeu eu já estava longe. Tive algum trabalho para entrar em contato com Azazel e abrir o portão hiperdimensional que separa o seu mundo do nosso. Ele não pareceu muito satisfeito em me ver. Seu corpo de dois centímetros de altura estava envolto em um brilho róseo, e ele me perguntou, em sua vozinha de falsete:
- Não lhe ocorreu que eu podia estar no chuveiro?
- Trata-se de uma emergência, ó Poderoso-Ser-Para-o-Qual-as-Palavras-São-Insuficientes – repliquei, com toda a humildade.
- Então me conte, mas, por favor, seja breve.
- Está bem! – disse eu.

Relatei-lhe o caso com admirável concisão.
- Hummm… – fez Azazel. -Pelo menos uma vez, você me trouxe um problema interessante.
- Verdade? Quer dizer que existe mesmo esse tal de teleklutzismo?
- Existe, sim. É bastante comum em meu mundo. As crianças são vacinadas contra ele no primeiro ano de vida. Você sabe, a mecânica quântica deixa bem claro que as propriedades do universo dependem, até certo ponto, do observador. Assim como o universo afeta o observador, o observador afeta o universo. Alguns observadores afetam o universo de forma desfavorável, ou pelo menos desfavorável para outros observadores. Assim, um observador pode fazer com que uma estrela se transforme em supernova, para desconforto de outros observadores que porventura habitem um planeta em órbita em torno dessa estrela.
- Estou entendendo. Será que você pode tratar o meu amigo Menander e impedir que os seus efeitos de observador sejam tão desagradáveis?
- Naturalmente! Com toda a facilidade! Vai levar só dez segundos! Depois, poderei voltar ao meu chuveiro e ao rito de laskorati, ao qual me dedicarei com duas samini adoráveis!
- Espere! Espere! isso não será suficiente!
- Não diga bobagens. Duas samini são mais que suficientes. Só um tarado exigiria três!
- Estou falando que não será suficiente anular o teleklutzismo. Menander também quer ter a oportunidade de salvar a raça humana.

Por um momento, pensei que Azazel fosse esquecer nossa antiga amizade e tudo que tenho feito por ele, oferecendo-lhe problemas estimulantes, que certamente o ajudam a exercitar a criatividade. Não compreendi tudo que disse, porque usou muitas palavras de sua própria língua, mas o som era de um serrote cego em um prego enferrujado.

Afinal, depois de esfriar um pouco a cabeça, que assumiu um tom vermelho-claro, ele disse:
- Como pensa que eu vou fazer isso?
- Acha que é pedir muito do Apóstolo-da-Incredibilidade?
- Claro que sim! Mas… vamos ver! – Ele pensou um pouco e depois explodiu:
“Afinal, quem, em seu juízo perfeito, iria querer salvar a raça humana? Que é que o universo ganharia com isso? Vocês são a vergonha da Galáxia… Ora, ora, acho que dá para fazer.

Não levou dez segundos. Levou meia hora, e uma meia hora muito nervosa, com Azazel resmungando parte do tempo e o resto do tempo parando para imaginar se as samini esperariam por ele.

Afinal, terminou, e, naturalmente, tive de ir testar os resultados com Menander Block.
Assim que vi Menander, disse para ele:
- Você está curado.

Ele olhou para mim com ar hostil.
- Sabe que me deixou com a conta do jantar naquela noite?
- Um fato de somenos importância, diante da sua cura.
- Não me sinto curado.
- Ora, deixe disso! Vamos dar uma volta juntos. Você dirige.
- O tempo já está ficando nublado. Que cura!
- Dirija! Que temos a perder?

Ele tirou o carro da garagem. Um homem que passava do outro lado da rua não tropeçou em uma lata de lixo cheia até a borda.

Chegamos ao final da rua. O sinal não ficou vermelho enquanto nos aproximávamos e dois carros que freavam no cruzamento conseguiram parar a uma distância segura.

Quando passamos pela ponte, as nuvens se abriram, e um sol quente banhou o carro, mas sem ofuscar o motorista.

Ao chegarmos em casa, ele estava chorando como uma criança e tive de guardar o carro na garagem. Arranhei de leve a pintura, mas podia ter sido pior. Eu podia ter arranhado meu próprio carro.

Na semana seguinte, ele não desgrudou de mim. Afinal, eu era o único que sabia que havia ocorrido um milagre.

Dizia para mim:
- Fui a um baile e nenhum casal tropeçou e caiu, quebrando um braço ou uma clavícula. Dancei até cansar e minha parceira não passou mal do estômago, embora tivesse comido tudo quanto foi porcaria.

Ou:
- No trabalho, instalaram um novo aparelho de ar condicionado e ele não caiu no pé de um dos operários, deixando-o aleijado.

Ou mesmo:
- Visitei um amigo no hospital, uma coisa que há alguns dias nem me passaria pela cabeça, e em todos os quartos por que passei nenhuma sonda saiu da veia de um paciente.

De vez em quando, ele me perguntava, apreensivo:
- Tem certeza de que eu vou ter uma chance de salvar a humanidade?
- Certeza absoluta. Isto é parte da sua cura.

Um dia, porém, ele apareceu com a testa franzida.
- Escute – disse para mim. – Acabo de ir ao banco verificar o meu saldo, que está um pouco mais baixo do que devia por causa da sua mania de desaparecer dos restaurantes antes que a conta chegue. Não consegui nada, porque o computador saiu do ar no momento em que eu entrei. Estava todo mundo atônito. Será que a cura foi temporária?
- É impossível! Aposto que não teve nada a ver com você. Vai ver que havia outro teleklutz nas vizinhanças. Ou então o computador estava mesmo para enguiçar, e tudo não passou de uma simples coincidência.

Entretanto, eu estava enganado. O computador do banco parou de funcionar nas duas ocasiões em que o meu amigo tentou verificar novamente o seu saldo. (A propósito: era muito mesquinho de sua parte se preocupar com as modestas quantias que eu havia deixado de pagar.) Afinal, quando o computador da firma onde trabalhava enguiçou no momento em que entrou no centro de processamento de dados, ele veio me procurar em estado de pânico.
- A doença voltou! Agora não há mais dúvida! A doença voltou! – gritava o coitado. – Desta vez eu não vou agüentar. Logo agora, que estava me acostumando a ser uma pessoa normal! Não, não posso voltar a rainha vida antiga! Prefiro me matar!
- Não, não, Menander. Isso seria ir longe demais!

Ele pareceu se conter no momento em que ia dar outro grito e pensou no que eu havia dito.
- Tem razão – concordou. – Isso seria ir longe demais.
-Talvez fosse melhor matar você. Afinal de contas, você não faria falta a ninguém, e isso me faria sentir um pouquinho melhor.

Podia compreender o seu ponto de vista, mas não podia concordar com ele.
- Espere ai! – protestei. – Antes de fazer qualquer coisa, deixe-me verificar o que ocorreu. Tenha um pouco de paciência, Menander. Lembre-se de que, até agora, seu azar só afetou os computadores, e quem está ligando para os computadores?

Despedi-me rapidamente, antes que ele tivesse tempo de me perguntar como iria descobrir seu saldo bancário se os computadores se recusavam a funcionar na sua presença. Aquilo para ele estava se tornando uma idéia fixa.

Azazel também tinha uma idéia fixa, só que de outro tipo. O que quer que andasse fazendo com as samini, a verdade é que estava dando cambalhotas quando eu cheguei. Por que, não sei.

Não acho que tenha desviado totalmente a atenção das samini, mas consegui fazê-lo explicar o que havia acontecido; vi-me então diante da necessidade de explicar tudo a Menander.

Insisti para que nos encontrássemos no parque. Escolhi um local bem movimentado, porque talvez precisasse de socorro imediato se meu amigo perdesse a cabeça {em sentido figurado) e tentasse me fazer perder a minha (no sentido literal).

Disse para ele:
- Menander, seu teleklutzismo ainda está ativo, mas apenas para computadores. Você tem a minha palavra. Você está curado para todos os outros seres animados e inanimados… e isso é irreversível!
- Pois então, cure-me também para os computadores!
- Acontece, Menander, que isso é impossível. Você não está curado para os computadores… e isso é irreversível.

Falei a última palavra como um sussurro, mas ele me ouviu.
- Por quê? Que tipo de cabeça de minhoca é você?
- Você faz soar como se houvesse mais de um tipo, Menander, o que não faz sentido. Não compreende que você queria salvar o mundo, e foi isso que aconteceu?
- Não, não compreendo. Explique-me, com toda a calma. Você tem quinze segundos.
- Seja razoável! A humanidade está passando pela revolução da informática. Os computadores tornam-se a cada dia mais versáteis, mais capazes, mais inteligentes. Os seres humanos dependem cada vez mais dos computadores. Qualquer dia desses, será construído um computador capaz de governar o mundo, que deixará a humanidade sem nada para fazer. Talvez até decida eliminar os seres humanos, como uma raça desnecessária. Podemos iludir-nos pensando que sempre nos restará o recurso de “puxar o fio da tomada”, mas você sabe muito bem que isso não será possível. Um computador suficientemente esperto para governar o mundo seria perfeitamente capaz de defender seu próprio fio de alimentação e, por que não, de gerar sua própria eletricidade.

“Ele seria imbatível, e a humanidade estaria condenada. E aí, meu caro amigo, é que você entra em cena. Você chega perto desse soberano dos computadores {talvez uma distância de um ou dois quilômetros seja suficiente), e zás! Ele sofre uma pane fatal! A humanidade será salva! A humanidade será salva! Pense nisso!

Menander pensou. Ele não parecia muito satisfeito. Disse para mim:
- Mas até que isso aconteça, não posso me aproximar dos computadores.
- Ora, tivemos de tornar permanente o klutzismo computadorial para ter certeza de que ele funcionaria na ocasião apropriada; que o rei dos computadores não teria nenhuma defesa contra você. É o preço que você tem de pagar por esse grande dom, que você mesmo pediu e pelo qual toda a humanidade lhe será grata por muitos e muitos séculos.
- Ah, é? E quando terei a oportunidade de usar esse meu dom para salvar a humanidade?
- De acordo com Azaz… de acordo com os meus cálculos, isso ocorrerá daqui a uns sessenta anos. Encare as coisas dessa forma: agora você sabe que viverá no mínimo noventa anos.
- E nesse intervalo – disse Menander, falando muito alto, sem se importar com as pessoas que paravam para olhar para nós – o mundo vai ficar cada vez mais informatizado, e eu terei de deixar de freqüentar mais e mais lugares. Acabarei como um eremita…
- Mas no final você salvará a humanidade! É isso que Você queria!
- Para o inferno com a humanidade! – gritou Menander, avançando para mim.

Só consegui escapar porque as pessoas que estavam assistindo à discussão seguraram o pobre coitado.

Hoje em dia, Menander está sendo analisado por um psiquiatra freudiano dos mais famosos. Certamente vai custar-lhe uma fortuna e, certamente, não vai resolver coisa alguma.

Depois de terminar sua história, George olhou para o copo de cerveja, pelo qual eu sabia que teria de pagar. Ele disse:
- Essa história tem uma moral, sabe?
- Qual é?
- Não há gratidão neste mundo!

(Publicado originalmente no livro Azazel, Editora Record, 1988)

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