terça-feira, 25 de maio de 2010




Projeto do meu velório

* Por Seu Pedro

Primeiro, espero que seja um projeto secular, só executado e concluído depois na última década deste século. Contudo, é preferível estar pronto no caso de alguma surpresa. No título acima, o “velório” é apenas por uma questão de tradição. Mas não quero, e já peço, desde já, que não acendam velas no meu velório. Fazem fumaça e aquecem o ambiente infernalmente. Coloquem ventiladores girando em velocidade suave: darão a sensação das brisas do céu. E não desejo que alguém fique me imaginando ir para o inferno. Nem que chamem de “câmara ardente” a minha exposição fúnebre. Se eu tiver que arder, que arda sem ninguém saber, pois quero deixar a impressão de que fui para o céu.

Como deverão, então, chamar os meus últimos instantes antes de descer ao subsolo? Chamem de “o último chá beneficente de Seu Pedro”, cujo resultado apurado deve ser revertido para alguma família carente, já que, pela quantidade de amigos que tenho, creio que não serão recolhidos muitos alimentos. Explico: haverá um chá às cinco horas, uma hora antes do cemitério encerrar o expediente.

Amigos, familiares ou curiosos. querem ver o meu corpo de camiseta tipo cavadão, sem gravata colorida, mas com um sorriso eterno? Então levem um quilo (melhor será dois) de alimentos não-perecíveis. Aviso que não vale levar sal, fubá, farinha de mandioca ou macarrão familiar. Levem coisas boas. Afinal, um gesto destes acontece uma vez na morte. Então não sejamos miseráveis como o fiel da missa, que procura a nota de real mais velha e amassada para dar ao seu Deus. Ora, se é para dar, que se dê com desprendimento. E ameaço a quem não levar o que solicito que “voltarei” para lhe puxar o pé. Isto nunca acontece, mas a maioria tem medo e vale o blef.

Em se tratando daqueles que viviam torcendo para que eu embarcasse para a última viagem, primeiro espero que nem tomem conhecimento da minha morte. Será até engraçado eles enxergando algum sósia meu e dobrando as esquinas às carreiras. Ou então, me enviando mensagens ofensivas pelo e-mail, sem nenhuma resposta malcriada. Se frustrarão! Ou, ainda, arquitetando planos para me ver irritado. Qual! Estarei no paraíso (espero) com os anjos, ou no inferno, com centenas de outros jornalistas. E se é que a gente lá do alto pode enxergar alguma coisa aqui na Terra. Não se assustem ao ouvir minhas gargalhadas, parecidas com as que em vida terei dado, ao ouvir promessas de políticos. Estes podem dispensar a doação dos alimentos. São almas famintas.

Flores? Por favor, no máximo algumas de tecido, feitas por alguma alegre vovó, não mais que meia dúzia. Flores de plástico, não. Não sou adepto de coisas artificiais como o “forró de plástico” ou o “axé de silicone”, tão vulgares como “samba de academia”. Samba é do povo e tem que ser de gafieira. Os bumbuns femininos, por exemplo, só são agradáveis quando são de carne, mesmo na versão econômica. Nada de silicones! Se fosse para apalpar bumbum artificial, ficaria viúvo de um manequim, destes que ficam em vitrinas de lojas. Flores verdadeiras? Estas jamais! Sejam as compradas na floricultura, ou tiradas do jardim. Nunca me fizeram mal algum para que eu as “mate” e as leve junto à sepultura.

Se julgarem que devem fazer algum culto, para consolo dos vivos, que seja com ritmos cristãos, mas bem alegres, acompanhados de uma banda gospel. Aquele que diz “a alegria está no coração/de que conhece Jesus”, será bem-ouvido, pelos vivos. Escolho, como leitura bíblica: “Disse então Maria: a minha alma engrandece ao Senhor. E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”. (Lucas 2:46-47).

Em determinado momento, em que for servido o chá da tarde, a minha amada – a minha ultima esposa, a atual, sempre será minha amada – ouvirá, em voz e violão, cantar um cantor que seja bonito. Afinal, mulheres ouvem e olham o intérprete da canção. Dirá ele, na ocasião meu porta-voz, que eu dedico à minha família, principalmente à minha amada, a canção poética de Vinicius de Moraes “Eu sei que vou te amar”. E peço que, se minha amada chorar, que chore pela emoção que transmitem os versos, e não pela minha morte.

Ao final da solene tarde, uma hora antes de expediente do cemitério, carregando o caixão qualquer grupo voluntário, na frente seguirá uma faixa, em boas letras, para que todos da cidade leiam: “Por tudo de bom que vivi com Tení (como chamo, carinhosamente, minha amada) liberto, agora, o amor que aprisionei em mil novecentos e noventa cinco. Do dia que cativei até hoje fui muito feliz,”... Que então desça o defunto e com ele todos os orgulhos, superioridades, vontades, imposições e desejos pessoais. Mas que os sonhos fiquem. Que o mundo seja melhor!

ADEUS, AMIGO!

Pedro Diedrichs, ou “Seu Pedro, como era chamado carinhosamente pelos amigos e admiradores (e gostava que o chamassem assim), foi, por quase três anos, um dos colunistas mais ativos e participativos do Literário. Publicou 166 textos neste espaço, sendo 29 como colaborador eventual e 137 em sua coluna, intitulada “Jornalista do Sertão”.
Seu Pedro, como dizia Guimarães Rosa (fato lembrado pela poetisa Núbia Araújo Nonato do Amaral) “ficou encantado”, partiu para outra condição do cosmo e nos deixou-. Faleceu na quinta-feira passada, dia 20 de maio, no Hospital das Clínicas de Salvador, após cirurgia para amputação de um dos pés, em consequência do diabetes, que sempre o incomodou. Permaneceu 20 dias em estado de coma, do qual não conseguiu mais sair. Seu sepultamento ocorreu em Guanambi, na Bahia, cidade em que residia e que tanto amou.
Conheci Seu Pedro, pessoalmente, em fevereiro de 2002, quando ambos fomos entrevistados, por mais de uma hora, no programa “Comunique-se”!, do canal de televisão a cabo “All TV”, de São Paulo, comandado pelo jornalista José Paulo Lanyi e produzido por Solange Sólon Borges. Ambos falamos, na oportunidade, sobre os respectivos jornais “nanicos” que então comandávamos. Eu, sobre o “Roteiro”, minúsculo jornal diário de Campinas que buscava seu espaço em meio aos dois gigantes, Correio Popular e Diário do Povo. Seu Pedro, exalando dinamismo e entusiasmo por todos os poros, apresentando o seu “Vanguarda” para o Brasil inteiro. Foi uma amizade que se aprofundou, teve momentos de crise, mas nunca se abalou.
Comovido, e consternado, despeço-me, espiritualmente, do amigo querido, que sempre me transmitiu lições de alegria, dinamismo e felicidade, na certeza de revê-lo um dia, em condições melhores e mais favoráveis, em alguma dimensão do tempo e do espaço. Adeus, amigão!

O Editor .

* Seu Pedro foi o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... Foi jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como “Jornalista do Sertão”. seupedro@micks.com.br

8 comentários:

  1. Seu Pedro se foi, mas não passou em
    "branco".
    Deixa uma história, experiências, uma
    vida plena cheia de passagens.
    Adeus Seu Pedro.

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  2. Caramba, que notícia triste... gostava muito do Seu Pedro. Fique em paz, meu amigo.

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  3. Que pena, Pedro Bondaczuk, eu já me preparava para comentar o bom humor da crônica do Seu Pedro. Nossa! Tomei um susto quando li seu texto...Sempre gostei dos textos dele.Que ele encontre muita paz e muita luz, na dimensão em que estiver!Os artistas não morrem, e os textos dele ficarão para sempre.
    Abraço triste

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  4. Excelente o texto do Seu Pedro, quanta presença de espírito! Desejo muita paz para ele, familiares, amigos. Bonita homenagem, Pedro Bondaczuk!

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  5. Numa de suas crônicas ele contou que estivera em Montes Claros e fora eleito Rei Momo, mesmo sem ser gordo. Foi publicada há mais de três anos, e eu a vi nas primeiras vezes que entrei no Literário, ainda no Comunique-se. Nela achei o meu amigo e colega da faculdade Hilton Nunes, que foi quem descobriu seu Pedro e seu espírito carnavalesco. Noutras ocasiões ele queixava-se do diabetes e do problema no pé.
    Seu Pedro, descanse em paz!

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  6. Uma triste surpresa e uma bela homenagem ao amigo. Seu Pedro deixou registrado seus pensamentos em seu estilo leve e inteligente. Que ele esteja em paz.

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  7. Caramba! Bem que esse "Direto do Arquivo" estava fora do seu dia habitual. É uma pena. Fico triste porque ele comentava alguns textos meus e me mandava o newsletter do site dele. Descanse em paz.

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