domingo, 30 de maio de 2010




O médio-direito

* Por Pedro Silva

Há muitos, muitos, mas mesmo muitos anos, existia um pequeno país chamado Terra do Futebol. Aí moravam, pois claro, muitas pessoas, sobretudo jogadores desse desporto adorado por muitos.

Entre todos os habitantes desse país, dominado pelo soberano Águia-real, havia um pequeno jovem, franzino e moreno, que adorava o número dez e de quem todos gostavam muito. Pequeno, mas veloz e capaz das mais incríveis fintas, este moço era considerado o “Cavaleiro do Relvado”.

Porém, como em todas as histórias de reis e rainhas, existia um pequeno ajudante do cavaleiro que, a troco da companhia e de aprender alguns dos truques da arte futebolística, se prestava a diversos serviços – limpar as sapatilhas, lavar o equipamento e carregar com o saco.

Um dia, um menino aproxima-se do bravo “Cavaleiro do Relvado” e diz-lhe:
- Eu conheço-te! Tu não és aquele que marcou dois golos contra os terríveis leões verdes?

Achando imensa piada à forma sincera e despreocupada como o pequeno Carlitos (era esse o seu nome) se lhe dirigira, o conhecido cavaleiro decide dar-lhe o cargo oficial de seu ajudante pessoal.

A partir daí, os dois passaram a ser amigos inseparáveis. Jogavam futebol juntos, falavam sobre imensas coisas e, mais importante ainda, o mais velho ensinava a Carlitos imensos truques na arte de jogar futebol.

Apaixonado pela posição de médio-direito, Carlitos treinava constantemente para ser o melhor da Terra do Futebol naquela posição.

Ao mesmo tempo, o “Cavaleiro do Relvado” continuava a demonstrar as suas qualidades durante os jogos oficiais. Carlitos olhava para o recinto relvado e imaginava como seria bom se ele próprio pudesse jogar ao lado dos seus ídolos.

Certo dia, andando o “Velho Tácticas”, treinador da equipa do coração de Carlitos, a passear pelos campos floridos do seu país, viu os dois amigos a jogar à bola e ficou maravilhado com aquele pequenino médio-direito, capaz de muitas e boas fintas, sempre finalizadas com um espectacular remate.

Assim sendo, ali ficou durante mais algum tempo até que, ao fim de uma hora de bom desempenho do pequenito, “Velho Tácticas” abeirou-se dele e disse:
- Olá, gostaria que passasses lá pelo nosso campo para treinares com os outros cavaleiros.

Carlitos, maravilhado com estas palavras, dirigiu-se de imediato a casa, enquanto que o “Velho Tácticas” se distanciava, não sem antes levantar, várias vezes, os braços no ar e gritar: “Benfica! Benfica!”. O que significaria aquilo? Talvez o homem fosse um pouco louco, visto que ninguém tinha ouvido jamais aquela palavra.

Já em casa, o jovem Carlitos fui directo aos seus pais, que, por acaso, trabalhavam no castelo do país, também conhecido por “Castelo da Luz”. Então, contou-lhes o que se passara, tendo todos ficado bastante felizes.

No entanto, havia uma pessoa que ficara completamente enlouquecida de alegria – o irmão de Carlitos, verdadeiro fanático da equipa das suas cores. Assim, cantou tudo e mais alguma coisa, incluindo velhas temas de música popular até conhecidos cânticos de claques de futebol. Passadas duas horas de música, decidiu que seria ele próprio a levar o seu irmão ao campo de treinos.

No dia seguinte, já com todos os cavaleiros em campo, o jovem Carlitos entrou, equipado com o número zero, visto que todos os outros já tinham número. Num treino visto por dezenas de pessoas, o pequeno Carlitos, de metade do tamanho de todos os outros, ou não tivesse ele apenas oito anos, marcou quinze golos e executou fintas que maravilharam todos.

Inclusivamente, o “Puto Maravilha”, outro dos cavaleiros que começavam a despontar na equipa principal, no final do treino, virou-se para Carlitos e disse-lhe: “Tu vais tirar-me o lugar da equipa!” O jovem Carlitos, triste, respondeu-lhe que não queria tirar o lugar a ninguém e que, como só tinha oito anos, preferia ficar no banco. E assim aconteceu!

No último jogo do Campeonato da Cavalaria, que decidia quem seria o campeão, o jovem Carlitos ficou no banco, com o número zero, enquanto que no centro das atenções o “Cavaleiro do Relvado” prometia muitos golos e todos na baliza adversária.

Começa o jogo e os adversários conseguem abrir o marcador. Todos os jogadores da equipa de Carlitos choram, tristes por terem começado de uma forma péssima, ainda para mais sendo gozados pelos adversários, numa demonstração de mau desportivismo.

A primeira parte termina e a equipa de Carlitos continua a perder. O avançado da equipa lesiona-se e o “Velho Tácticas” decide chamar o jovem de oito anos, dando-lhe a oportunidade de substituir o ponta-de-lança conhecido por “Martelo”, dada a sua incapacidade total em marcar golos.

Perante a possibilidade de irem defrontar um miúdo de oitos anos, os jogadores adversários riram a bom rir, tal como os adeptos presentes nas bancadas. Só o irmão de Carlitos ficou perfeitamente deliciado e, ao lado dos pais, recomeçou de forma instantânea a reproduzir cânticos alto e a bom som.

Assim que o jovem entrou em campo, “Quebra Canelas”, o temido defesa esquerdo da equipa adversária encarregou-se pessoalmente de não deixar Carlitos tocar na bola. Mas, eis que, cinco minutos depois de ter entrado, o miúdo corre com a bola na linha lateral, fintando o defesa contrário e cruzando o esférico para o “Cavaleiro do Relvado” que, fora da área, chuta a bola com uma colocação tal que o guarda-redes adversário, justamente considerado “Frango de Luvas”, sofre um golo, sem qualquer possibilidade de defesa.

O estádio grita em coro os nomes de ambos os jogadores que intervieram nesta jogada e ambos abraçam-se, comemorando um dos golos mais bonitos de sempre.

Mas o jogo ainda não estava ganho e o tempo continuava a avançar. Só a vitória daria o título de campeão à equipa de Carlitos.

A um minuto do fim, “Cavaleiro do Relvado” recebe a bola do guarda-redes e, um após outro, vai fintando os jogadores contrários, até chegar perto do meio-campo onde, com um passe maravilhoso, dá a bola a Carlitos que, na posição de médio-direito, começa ele próprio a correr com o esférico.

Vendo o tempo esgotar, o jovem decide fazer um enorme chapéu ao guarda-redes, vendo a bola aninhar-se dentro da baliza, garantindo uma vitória suada mas justa.

Festa e mais festa aconteceu, com o pequeno Carlitos a ser o herói daquela Terra do Futebol. Logo ali lhe propuseram um contrato para jogar na equipa durante trinta anos. Ele aceitou, mas para isso, pediu ao “Velho Tácticas” que o seu irmão fosse colocado como o cantor oficial daquele reino. E assim aconteceu!

* Com mais de quarenta livros publicados, em países tão díspares quanto Portugal, Brasil, Espanha ou Chile, o autor português Pedro Silva (1977) tem, igualmente, produzido títulos em diversas áreas temáticas, tais como o ensaio histórico, a ficção, o roteiro turístico ou mesmo os contos. Para além disso, o escrito, tem-se dedicado igualmente a colaborar com diversos jornais portugueses, assim como revistas de História em Portugal e Brasil, tais como “História Viva”, “Desvendando a História” ou “Aventuras na História”. Contacto: ps77@aeiou.pt

Um comentário: