quarta-feira, 28 de abril de 2010




Utopia e barbárie – O risco dos comentários

* Por Marco Albertim

Comentar “Utopia e barbárie” é arriscado. Sílvio Tendler, o realizador, trabalhou 19 anos na obra, entrevistou mais de 60 personalidades, visitou quinze países. Arrisca-se quem faz algum reparo, inda que se trate de uma releitura de tragédias humanas e sociais, a começar da poeira de cogumelo da bomba atômica, terminando com o foco em líderes ainda em ascensão no continente: Lula, Chávez, Morales. Tendler não arriscou-se tanto, visto ser um cineasta já com uma filmografia reunindo vinte trabalhos. Depois de dois infartos, decidiu que o órgão vital que pulsaria no começo do filme, ao som da música de Marcelo Yuka, seria o da imagem de uma cintilografia feita em si mesmo, em 2000.

É o cronista que se vale da imagem, reverencia-a como a um ícone, valorizando minúcias, depoimentos. Como historiador revisitando episódios, faz a crítica ao socialismo, sua trajetória a partir da revolução russa; sem romper, contudo, com o legado do mesmo socialismo. Os sonhos, trata-os como utopias sem detrair “utopistas”. A crítica ao pensamento, usa-a para salvar corações esperançosos. Como cineasta, tem uma matriz revolucionária, dialogando no próprio documentário com filmes russos como A mãe, de Pudovkin; e com O Encouraçado Potenkim, de Eisenstein.

A revolução cubana não é mostrada como um ato de força de um punhado de denodados. Há cubanos, cubanas empunhando bandeiras atrás, à frente de moços nada imberbes. A crônica mostra-se viva num supermercado no Vietnã, com produtos nada vietnamitas. Ao fundo, anos atrás, moços vietnamitas com sentimentos antiimperialistas. Chávez, o loquaz Chávez, presenteia Obama com um exemplar de “Las venas abiertas de América Latina”. Pinochet não é um general senil, de juízo fraco, é “um ditador cínico”. “Que baita economia!”, diz ele ao saber que os corpos de dois fuzilados foram achados numa só cova.

Para montar um painel tão rico, o perfil plural de Sílvio Tendler soube aproveitar olhos e bocas das testemunhas. Chama a atenção a revelação do jornalista Carlos Chagas. Conforme ele, Pedro Aleixo, então vice do general Costa e Silva, foi o único a ser contra a edição do AI-5. Disse Aleixo: “Não tenho medo das mãos honradas do presidente Costa e Silva. Tenho medo do guarda da esquina...”

Em entrevista, Sílvio Tendler diz que Marx e Engels, “para o bem gestaram o Manifesto Comunista (...). Para o mal, os grandes massacres promovidos, ora contra os socialistas, caso da Comuna de Paris, ora pelos socialistas, como foram os expurgos stalinistas, com massacres de camponeses na URSS.” A história é parteira, também madrasta; é paciente e demora, diz Eduardo Galeano. Tendler ouviu-o, mas... Mas talvez por não ter absorvido a lição, ponha no mesmo saco episódios ocorridos em circunstâncias distintas.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto
    conciso e elucidador.
    Abraços

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  2. Parabéns, Marco, você escreve com muita sensibilidade sobre o melhor documentário brasileiro dos últimos tempos. Nem sempre os críticos têm essa sensibilidade, e frente a um imenso quadro em branco com um pontinho negro no centro, eles só veem o pontinho.
    Forte abraço.

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