domingo, 21 de fevereiro de 2010




Guimarães Rosa poeta

* Por Luiz Carlos Monteiro

Um livro que permaneceu inédito por mais de seis décadas, Magma, somado a uns poucos poemas esparsos e de circunstância, compõem a reduzida obra poética de João Guimarães Rosa. O escritor mineiro, nascido em 1908 e morto de infarto em 1967, procedeu, no âmbito da prosa, inovações definidoras com relação à linguagem ficcional, injetando-lhe vida, dinamismo e inventividade, conforme se pode comprovar em romances e contos que escreveu. Em Magma (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 148 páginas), ele revela-se um poeta que adota explicitamente o verso livre, e num outro pólo, a sintaxe oficial e enquadrada que muitos poetas passaram a praticar após a Semana de Arte de 22.

É sintomática a constatação de que em todos os poemas deste livro, mesmo nos hai-kais e poemas curtos, o fechamento faz-se invariavelmente reticenciado. As reticências, embora usadas em profusão, não apagam, no entanto, a força das paisagens que ondulam entre escarpas, montanhas e serras ou os diálogos extremamente rápidos e vivos, onde o homem conversa sem cerimônias com outros homens, com os animais, o sol e as águas. Eventualmente, tais reticências podem estar em alguns instantes eivadas do brilho um tanto artificial de uma pedraria que ofusca pelo seu efeito insólito e, de modo paradoxal, neutralizador.

Mas, é de admitir também a introdução de um ritmo ágil e flexibilizado, de metáforas características e prenunciadoras, como recursos poéticos que seriam exaustivamente aplicados ao seu fazer literário futuro. E isto tenderá a tornar-se, pela maneira como acontece e aflora-se neste Magma, marca de recorrência e estilização em Rosa.
Entre as temáticas contempladas em Magma, ocorrem com grande freqüência as que falam da natureza e seus elementos – homens, animais, águas, árvores e minerais existentes e escolhidos de preferência no estrato ambiental e humano do sertão de Minas Gerais. Os poemas que referem-se a sentimentos e estados espirituais intensificados, apresentam-se às vezes conflitantes e paradoxais: “Desterro” ou “Regresso”, “Ironia” ou “Angústia”, “Integração” ou “Revolta”. Perfazem novas seqüências a poetização de ambientes e lugares, com os exemplos de “Na Mantiqueira” e “No Araguaia I, II, III e IV”.

Guimarães Rosa serve-se de recursos vocabulares retirados da química, das matemáticas e da mineralogia. Figuras geométricas são utilizadas para retratar animais (“A Aranha” e “Meu Papagaio”), além de detalhes irônicos e bem-humorados relativos àqueles. A lenda indígena de “Iara”, em mistura com figuras mitológicas produz versos do tipo: “E Danaides laboriosas se desviam dos cardumes/ de Nereidas,/ que imergem, ondulando as caudas palhetadas/ dos seus vestidos justos de lamé...”.


Numa série de poemas sobre cores, a ênfase pode não dirigir-se necessariamente para o cromático ou o pictórico convencionais, antes avançando em outras regiões da poesia. Exemplo disto é a estrofe inicial do poema “Vermelho”, onde faz-se o contraste entre o sangue vermelho da virgem e a brancura cristalina da pomba: “É uma pomba/ - parece uma virgem./ De debaixo das plumas, vem o jorro/ enérgico, da foz de uma artéria:/ e a mancha transborda, chovendo salpicos, a cada palpitação”.

O Rosa prosador é antecipado pelo Rosa poeta que com este Magma ganhou, em 1936, o prêmio anual da Academia Brasileira de Letras. Contudo, não resta dúvida de que tais poemas refletem um poeta com menos de trinta anos à época, mas já senhor do seu ofício literário, a dominar perfeitamente os ritos essenciais e os recursos indispensáveis à escrita de poesia e à prosa que o consagrará.

* Poeta, crítico literário e ensaísta, blog www.omundocircundande.blogspot.com



2 comentários:

  1. "É uma pomba/- parece uma virgem./ De debaixo das plumas, vem o jorro/ enérgico,da foz de uma artéria:/ e a mancha transborda, chovendo salpicos
    a cada palpitação".



    Isso para mim é magia.

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  2. Estudos mostram que boa parte dos autores fazem a melhor parte das suas obras antes dos trinta anos. E deve ser isso mesmo.

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