domingo, 21 de fevereiro de 2010




Delírio ou frustração

* Por Pedro J. Bondaczuk

O ato de escrever, notadamente para os profissionais do texto (escritores, jornalistas etc.), pode se constituir numa fonte inesgotável de satisfações, de delírio até, ou em gerador de grandes sofrimentos, por causa da frustração de não poder produzir o que se tinha em mente, por uma série de fatores, que não vem ao caso. É até desnecessário enfatizar a responsabilidade que o redator tem, tão óbvia ela é.

A palavra escrita tem possibilidades reais de influenciar pessoas tanto para o bem – ensinando, orientando e consolando – quanto para o mal – trazendo desencanto, pessimismo e ceticismo – e por várias gerações, muito além do seu tempo de produção. Depende, claro, do que trata e de como o texto é escrito. Conta com a possibilidade da permanência, ao contrário daquilo que se diz, que, como afirma o povão, “entra por um ouvido, sai por outro” e se perde no ar (mas nem sempre, claro).

Passado todo um milênio, por exemplo, aquilo que se escreveu (dependendo da sua natureza), pode ainda produzir efeitos, benéficos ou maléficos, numa quantidade às vezes muito grande de pessoas. Além do mais, o escritor – assim como o jornalista – depende de quem o lê para ser bem-sucedido (ou fracassado). E nem sempre o leitor tem critério (ou cultura, ou visão) suficiente para fazer justiça ao redator.

Como editor, com décadas de atividade, caíram-me nas mãos, até com uma certa freqüência, diversos textos muito bons, não raro acima da média, alguns até geniais, que por uma razão ou outra, nunca conseguiram “decolar”. Por isso, foram ignorados e esquecidos pelos leitores, para profunda frustração dos seus autores.

Há livros excelentes, tanto do ponto de vista temático, quanto do formal, muito bem escritos, mas que findam por criar poeira nas prateleiras das livrarias – para desespero dos que os editam e, principalmente, dos que os comercializam – por falta de quem se interesse por eles. Ocorre que, na maioria das vezes, lhes faltam alguns ingredientes essenciais para agradar: os da emoção, da cumplicidade e da empatia, entre outros. São textos que soam falsos, artificiosos e inverossímeis. São bem elaborados, é verdade, têm estilo marcante, mas carecem de entusiasmo.

Às vezes são até belas “esculturas” com palavras, mas não como a estátua de Moisés, de Michelangelo, por exemplo. Seus autores não ousariam exclamar, diante da obra acabada, como o escultor diante da sua escultura: “Parla, Moses!”. O escritor, quando transcreve suas idéias em textos, precisa pôr junto, no papel (ou, como ocorre hoje, na telinha do computador), o máximo de si.

Não se admite a auto-indulgência e nem que ele tente apresentar, no que escreve, apenas aspectos positivos, favoráveis e/ou elogiosos da sua personalidade. Isso soa falso e espanta leitores. Tem, isto sim, que se despir (espiritualmente, claro) em público. Precisa “ficar nu” perante o mundo, sem qualquer escrúpulo ou pudor.

O romancista argentino José Bianco, pouco conhecido no Brasil, mas popular em seu país, afirmou, certa ocasião, em entrevista: “Eu acredito que o entusiasmo intelectual, quando é legítimo, mais propriamente nos leva a lutar com o que amamos, para que sobreviva dentro de nós. Quer dizer, dentro da nossa própria obra. Se o material é nobre, responde a nossas provocações. Ao menor choque, ressoa por muito tempo”.

Nosso entusiasmo, no entanto, não deve nos tornar alienados. Devemos ter consciência das nossas vulnerabilidades e procurar corrigi-las, com empenho, dedicação e autodisciplina. Mesmo que sejamos bem-sucedidos, jamais pode passar por nossa cabeça a idéia de que somos perfeitos, auto-suficientes, em suma, os melhores do mundo. Nunca somos e jamais seremos. E muito menos podemos nos colocar na posição de “centros do universo”, a contemplar e adorar o próprio umbigo. Se incorrermos nesse erro, de nada valerá nosso talento. Jamais conheceremos o delírio do verdadeiro sucesso, mas teremos, isto sim, que conviver com a agonia da frustração. Equilíbrio e realismo são as palavras-chaves para a obtenção (e, principalmente, manutenção) do êxito com o qual tanto sonhamos e nos empenhamos em obter.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com




2 comentários:

  1. Não desvendaremos o mistério sobre o que faz o sucesso e o fracasso. Explicações serão dadas e continuaremos sem entender.

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  2. Já li alguns romances de escritores
    que não foram sucesso em vendas mas
    que foram magistrais. Fico imaginando
    o peso da frustração que neles habita.
    beijos

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