quarta-feira, 27 de janeiro de 2010




Quem faz bem feito faz uma vez só

* Por Mara Narciso

Quando não há interesse e nem vontade, o produto do trabalho é ruim. Quando a preguiça chega, pode ser que o serviço nem fique pronto. E quando o executar caminha dessa forma, é melhor o resultado ficar escondido. Fazer por fazer ou fazer o melhor?

Dados indicam que as mulheres desperdiçam 5% do material de construção, enquanto os homens jogam fora 30% de tudo para fazer a mesma tarefa. Ter uma obra de construção ou reforma é motivo para mais do que aborrecimento. A lista de mazelas da obra mal feita é interminável, mas fiquemos com algumas: sujeira, paredes tortas, restos de cimento nas superfícies, canos entupidos, estética deplorável, necessidade de desmanchar e refazer. Deu a hora – no norte de Minas o horário de trabalho nas construções é de 7 as 17 h-, pode haver massa preparada, que largam tudo e vão embora. Amanhã, o que ficou sem utilizar está imprestável. Então, é desprezar e ir ao recomeço.

A minha mãe, para se referir a um serviço feito com muito capricho, dizia assim: “fez a colher de pau e bordou o cabo”. Nessa mesma linha, o multitalentos Darcy Ribeiro falava que os índios faziam os seus objetos com tanto carinho que superavam a utilidade, chegando, não raro, à arte. Muitas peças indígenas são detidamente contempladas, enquanto procuramos nelas o tamanho da paciência que envolveu a sua execução.

A mais linda toalha de banquete que eu já vi, delicada e perfeita, foi produzida por chineses do sexo masculino. Custo a calcular o tempo gasto no todo em cada ponto do imenso bordado e rendas feitos a mão. Também as rendas produzidas no Ceará pelas incansáveis rendeiras, que se ocupam por meses jogando bilros até verem o fino tecido, saem da área produtora por preços irrisórios. Apenas nas lojas do sul esse trabalho é valorizado, e quem fez a peça não recebeu quase nada.

Há pessoas, que para fazer suas obrigações de rotina, enfeitam o que fazem, dão tudo de si, e nem sempre para buscar elogios. Limpam a casa cantando, fazem a comida trivial com ares de banquete, “se banham com leite, se arrumam” para esperar os seus amados. Atividades banais são meticulosamente estudadas e feitas com atenção e harmonia, procurando naturalmente uma solução fora do gráfico, ou seja, acima dele, inflacionando a qualidade. É estimulante, em todos os setores, nos depararmos com resultados desse nível.

A busca da empatia numa consulta médica, algumas vezes é amplamente alcançada e a conversa se faz de forma agradável para os dois lados. Há equilíbrio entre a ciência médica e o lado humanístico, e as partes se veem satisfeitas e completas. Nessa situação, o saber médico avança da técnica para a arte, mesmo que não haja a possibilidade de curar, pois algumas vezes a medicina passa longe da cura.

Outras vezes, em momentos em que não há indicação de coisa boa, no meio do caos, uma criança é arrancada da morte em meio aos escombros e a escuridão, coroando o serviço de homens corajosos, que trabalharam bem. Máscara arriada, o salvador tem um semblante de alívio. Numa lição universal de otimismo, o menino levanta os braços abertos e dá um sorriso largo, aquele que, de tão inesperado e autêntico vai para a capa dos jornais e revistas. Renasceu sorrindo para as câmeras e para o mundo que precisava desse gesto e desse sorriso.

Todos nós estávamos precisando muito disso!

* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



11 comentários:

  1. Ver aquela criança de braços abertos
    para a vida nos deu de verdade uma sensação
    de alívio e a certeza de que a renovação existe.
    Belo texto Mara.
    Beijos

    ResponderExcluir
  2. Fazer certo da primeira vez - eis um slogan mais que acertado. Mas desconfio que apenas as mulheres alcancem a essência da frase, pois se dedicam há milênios a cuidar ... de si, dos seus, do mundo, além de trabalharem e produzirem! E, nesse "fazer certo", incluem a noção de que o esmero do acabamento faz parte do serviço. Ponto para elas e, em especial, para vc, cara Mara, por tocar numa questão sutil e de grande importância para todos.

    ResponderExcluir
  3. Ótimo texto, Mara! Quando oferecemos o nosso melhor, os resultados são positivos e favorecem os que estão ao redor. Isso nas pequenas coisas, e nas grandes também. Parabéns!

    ResponderExcluir
  4. Que coisa mais linda, Mara. Você fez e bordou o texto, como diria sua mãe. Imagino que médica humana, solidaria que é no trato com seus pacientes. E esteja certa: 50% da cura acredito que se deva a esse tratamento que uma médica sensível como você lhes dispensa.
    Beijos
    Ris

    ResponderExcluir
  5. Mara,
    independente da profissão, do resultado ou de qualquer outro fator, o mais importante é o fator humano. Todos somos diferentes. Há quem tenha tudo e vive reclamando da vida. Há quem não tenha absolutamente nada, mas leva os dias de forma leve, com um sorriso no rosto .Somos diferentes. Uns bem humorados. Outros mal humorados. Evolução espiritual ? DNA ?
    A vida começa todos os dias. Até das desgraças tiramos lições. Nasce a solidariedade.A reflexão. Muitas vezes descobrimos que somos muito fortes e nem desconfiávamos.
    Não viu aquela mulher no Haiti que ficou três dias, se não me engano, debaixo dos escombros ? O marido rondando o local onde, supostamente ela poderia estar, na esperança de encontrá-la viva. Encontrou. Quando ela colocou a cabeça de fora, mandou um recado para ele : " Se eu morrer, diga ao meu marido que eu o amo muito."
    Ela foi retirada com vida,e com apenas três dedos da mão quebrados. Depois de ser medicada, literalmente, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. Saiu com o marido, entrou no carro dele e partiu com os cabelos empoeirados como se nada tivesse acontecido.
    É nas grandes tragédias que tiramos grandes lições.
    Existem pedreiros que trabalham cantando. Existem engenheiros que reclamam da vida.
    Bom texto para reflexão !
    Beijos

    ResponderExcluir
  6. Mara, estou lendo um dia depois seu texto...tinha um amigo, um que bebia todas e mais um pouco, bem no início da minha juventude, e ele dizia sempre: o que for fazer na vida, faça bem feito... Era um exímio violonista, dos bons, dos bons, demais. Aquilo me marcou me profundamente, porque a ênfase com que ele dizia... Poxa, mas um bêbado, eu pensava. Pois, nada diferente dos que meus pais diziam, mas o encanto o jeito e o como ele se colocava; bom, melhor do que o jeito dele falar só a música que ele tirava na unha dos dedos. Ufa. Nunca mais pude esquecer.
    E você me pegou com isso...
    Aquele menino, salvo dos escombros, ora! Uma grande lição de vida, sem mais , mais, mais. Não há imagem melhor pra encerrar um texto. Parabéns, parabéns!!!

    ResponderExcluir
  7. adorei! e no mais só repeteria os que os colegas já escreveram!!!parabéns.

    ResponderExcluir
  8. Queridos leitores, você foram muito simpáticos com os generosos comentários, e ainda concordaram com a minha exposição. Fico feliz e agradecida por isso!

    Venho apenas agora agradecer as postagens em vista de estar chegando do cemitério. Meu pai foi enterrado há uma hora. Depois do calvário de cinco anos e três meses, desse penitente interminável, ei-lo a descansar. Estou aliviada e ao mesmo tempo com um buraco no peito. Preciso voltar a ser o centro de mim, já que perdi a prática.

    Obrigada gente!

    ResponderExcluir
  9. Mara não sei se vai ler esse comentário
    mas quero apenas que saiba que imagino
    um pouco da sua dor e que quando nos emprestamos para o outro perdemos a direção e sentido.
    Serenidade e muita luz na sua caminhada.
    Beijos

    ResponderExcluir
  10. Núbia, muuto obrigada pela atenção e consideração.

    ResponderExcluir