terça-feira, 26 de janeiro de 2010


Emaranhados no cotidiano

Caríssimos leitores, boa tarde.
É incrível a quantidade de tempo e de energia criadora que desperdiçamos por conta das circunstâncias com as quais temos que nos haver, e à nossa revelia, no cotidiano. Somos como moscas que, subitamente, se vêem emaranhadas em uma teia de aranha. Quanto mais estas se debatem, mais e mais se enredam, até que se vejam impotentes para a menor reação. Assim somos nós.
Pudéssemos, nós, escritores, dedicar todo esse tempo perdido a cada dia à nossa atividade literária, certamente produziríamos mais e melhor. Afinal, escrever requer calma e concentração. A pressa, nesse caso, é mais do que inimiga da perfeição: é da própria produção. Um texto que mereça permanência tem que ser produzido com reflexão, sentimento, observação e... Sobretudo, concentração. E esse processo é lento, é demorado, requer paciência digna de Jó.
Todavia, nosso cotidiano nos enreda de tal sorte, que quase não podemos nos retirar para o nosso canto para escrever. Infelizmente, no Brasil (salvo raríssimas exceções) ainda não dá para ninguém, por melhor que seja, sobreviver apenas de Literatura.
O escritor precisa de outra ocupação, remunerada, óbvio, e se possível muito bem paga, para evitar outras tantas e severas preocupações, como o pagamento das contas domésticas, como custear uma boa escola para os filhos e até para não ter que driblar a todo o momento os credores, entre outras tantas aflições e desventuras.
Esse trabalho remunerado, nem sempre relacionado a texto, consome-lhe pelo menos oito horas diárias. Com outras oito não pode nunca contar, ou sequer cogitar, pois são as destinadas ao repouso, ao sono. Alguns, “roubam” duas ou três horinhas desse fundamental desligamento das baterias, para escrever, embora, com isso, possam comprometer a saúde física e, principalmente, a mental. Há situações, porém, em que não há outro jeito.
Perdemos tempo e energia enormes nos deslocamentos “para” e “do” trabalho. O trânsito nas cidades é não somente neurotizante, como enlouquecedor. E nem precisa ser o de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Aqui em Campinas, por exemplo, é de endoidar. E as coisas, nesse aspecto, só tendem a piorar.
Em apenas quatro décadas, a cidade quadruplicou sua população, passando de 300 mil habitantes para 1,2 milhão. Para complicar, ostenta um dos maiores índices per capita de proprietários de automóveis do País. Era de se esperar, portanto, que as obras viárias da cidade fossem realizadas na mesma proporção. Não foram.
As ruas e avenidas campineiras são exata,. estrita e rigorosamente, as mesmas de 40 anos atrás. Não é preciso ser nenhum gênio, pois, para prever que iria acontecer o que de fato está acontecendo: um inferno na hora do chamado “rush”. E isso em dias sem chuva. Quando chove...
Esse tempo, perdido nos deslocamentos “para” e “do” trabalho bem que poderia ser melhor aproveitado: para escrever. Poderia, houvesse situação ideal. Que não há. As circunstâncias não permitem. Mas não é somente isso.
Gastamos um tempo enorme com as refeições, quer sejam em casa, quer na rua. E após essas, a lassidão resultante da digestão (não raro má), faz-nos desperdiçar mais alguns minutos, quando não horas.
Outras tarefas cotidianas, igualmente indispensáveis, como a higiene pessoal principalmente, consomem novas horinhas diárias. Estas, porém, não contam. Para o bem de todos e felicidade geral da nação, não podem ser dispensadas.
Mas outras perdas de tempo bem que poderiam ser evitadas. Uma delas, por exemplo, é a permanência irritante (ou exasperante?) em filas de bancos. Fico apoplético quando tenho que pagar alguma conta ou fazer depósitos ou saques nos caixas.
Outra? As horas (que parecem eternidade) que passamos nos corredores dos supermercados (e ai de nós se nos recusarmos a acompanhar a mulher nessa maratona não raro perdulária). Outra ainda? Esta é a pior. O tempo que gastamos atendendo a inúmeros telefonemas inúteis, vários dos tantos e tais telemarketings da vida, de pessoas muitas vezes enjoadas e chatas (e algumas, até mal-educadas) que nada nos acrescentam e, ao contrário, nos roubam esse bem preciosíssimo e tão escasso: horas, que poderíamos aproveitar para escrever.
Conseguisse escapar dessa teia de circunstâncias do cotidiano, e teria publicado já uma dezena de livros, e não apenas os quatro que publiquei. Isso, no meu caso. Há escritores bem mais prolíficos do que eu, que teriam publicado muito mais.
Pudesse livrar-me de esperas, retardos e delongas, haveria concluído há muito o romance que já se arrasta por quatro anos. Por tudo isso, pelo que tem que enfrentar e vencer no seu exasperante dia a dia, é que valorizo tanto o escritor, que nos brinda majestosamente com a glória e a grandeza do seu talento e criatividade.

Boa leitura.

O Editor

2 comentários:

  1. Verdade, Pedro! Gostaria de me dedicar muito mais e ter tempo para elaborar os textos com mais tranquilidade! Pequenas e grandes tarefas consomem nossa vida, nosso precioso tempo. Mas vamos seguindo, sem desistir! Abraços!

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  2. Tempo...a todo momento ele nos
    é roubado e às vezes nem ao menos percebemos.
    Seria bom se pudéssemos ter o controle
    dele.
    Beijos

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