quarta-feira, 18 de novembro de 2009




Alguém do outro lado da linha

* Por Marcos Alves


Atendi ao telefone assim que tocou, em um dia atarefado, daqueles em que é melhor resolver as coisas rápido. Do outro lado, uma voz feminina pergunta se estou interessado em mudar de operadora. Digo que não. A moça do tele-marketing insiste.

Repito que não, de fato não me interessa trocar de operadora e, além do mais, uso um aparelho de plano corporativo. Não compensa, digo, nem é o caso negociarmos, enfim...Pela forma como reagiu, deu para perceber a leve decepção de minha interlocutora, mas também sua educação e bons modos. Deu mesmo para ouvir a respiração da jovem e isso me comoveu.

Cheguei a fantasiar como seria sua aparência: teria entre 18 e 23 anos, estudante e que deveria estar naquele emprego como forma de reforçar a renda. Cumpria dupla ou tripla jornada para pagar os estudos, poder comprar suas roupas e outras coisas com o próprio dinheiro. Devia ouvir impropérios e cantadas baratas, mas isso faz parte – devem ter dito a ela no escritório.

Lembrei-me de outra ocasião parecida, que rendeu uma crônica. Na ocasião, escrevi com muita ironia sobre esse tipo de incômodo. Estamos por vezes envolvidos em uma tarefa profissional ou em uma reunião, ou mesmo conversando com alguém especial e o telefone toca para alguém nos oferecer algo que não estamos sequer pensando em consumir.

Praga moderna que arregimenta um batalhão de jovens dispostos a ficar o dia todo ligando para um monte de gente que não conhece para “divulgar” um produto ou serviço. Na crônica, reclamei da impessoalidade e certo cinismo desse pessoal, a maneira como papagueiam um textozinho previsível e desinteressante, repleto de armadilhas, principalmente se você autorizar alguma coisa.

Mas essa moça tinha uma entonação diferente, era muito educada e parei para ouvir seus argumentos. Quando dei por mim, estava sorrindo enquanto ouvia, calmo e paciente, as maravilhas de assinar outro plano. Esperei que terminasse para declinar do convite, mas até que não foi perda de tempo.

A moça que vendia planos de telefonia deixou menos monótona aquela manhã sem graça. Dessa vez, não era um papagaio nem um autômato do outro lado da linha. Era uma jovem mulher, a quem prefiro manter na lembrança sem conhecer de fato, para não estragar a fantasia.

*Jornalista, www.marcos-alves.blogspot.com

Um comentário:

  1. Esse texto fez-me lembrar dos tempos de telefonistas. Diziam que eu tinha voz de "travesseiro", bem...em plena sexta-feira e no final do expediente era quase impossível não ficar com a voz rouca.
    É...há vozes que ficam...
    beijos

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