terça-feira, 27 de outubro de 2009




Foi Ele quem fez

* Por Fernando Yanmar Narciso


Nunca poderemos saber o que nos aguarda nas veredas da vida. Outro dia, levei um de meus textos para um professor do meu cursinho pré-concurso ler. Por acaso o texto foi passado de mão em mão pela sala inteira, e todos que leram aprovaram. Um dos meus colegas, assim que terminou de ler, me perguntou: “Você é ateu, né?” Quer dizer, na mente dele, apenas um ateu poderia escrever de forma tão provocativa. Mas afinal, por que essa discriminação para cima dos que não crêem? Qual o problema que a maioria das pessoas têm com a dúvida? É ela que nos humaniza. Questionar é parte fundamental do aprendizado e do crescimento.

Mas, por alguma razão, quase todo mundo odeia ter dúvidas. Preferem se apegar a tal “verdade absoluta”. Preferem ter certeza de tudo, mesmo sem ter de fato. Praticamente todo mundo que eu conheço é adepto de alguma religião. Toda família tem alguém tarado por religião. Eles falam das coisas que supostamente Ele e o filho Dele fizeram, com tanto entusiasmo, que poderiam dizer até “Eu vi, eu tava lá, foi ASSIM que aconteceu!”. Basta ouvirem as palavras “eu não acredito”, que falta só elas te esfolarem com uma faca de pedra lascada e fazerem um sudário com sua pele. Algumas seriam capazes de assistir tranquilamente a própria casa pegando fogo com a família dentro, dizendo “Tudo bem. Ele vai me ajudar. Ele vai me dar uma casa maior, com uma família maior”. Que fique registrado: Acreditar por acreditar simplesmente não pega em mim.

Ninguém gosta de admitir que conseguiu algo extraordinário sozinho. Na hora dos agradecimentos, sempre soltam um “Graças a Ele lá em cima e ao filho Dele”. Em qualquer tipo de conversa, sempre há a chance de infinito/ 1 de se ouvir as palavras “Deus” ou “Jesus”. Todos dizem coisas como “se Ele quiser, minha filha arruma esse emprego”, “se Ele quiser, essa chuva pára”, “se Ele quiser, meu filho passa de ano”, “se Ele quiser, e Ele quer...” Quanta amolação Ele tem que aturar! Creio que a maioria de nós O enxerga como um tipo de “painho”, um coronel do interior que dá brindes aos empregados pra fazer média, um Don Corleone que ouve a CADA UM DE NÓS como uma secretária eletrônica gigante. Mas, honestamente, vocês acham que um ser todo poderoso criador de todas as coisas, acima de tudo e todos, praticamente o Sarney sobrenatural, teria tempo e paciência pra atender pedidos tão insignificantes? É muita pretensão de nossa parte.

Por outro lado, quando acontece alguma merda, qual é a primeira coisa que falamos? AH, MEU DEUS DO CÉU! De uma hora pra outra, Ele passa de um pai “bondoso e justo” a bode expiatório. Sempre tem aquela abobrinha do “Plano divino”.

O açude secou porque Ele quis. Essa chuva alagou a cidade inteira, mas pode apostar que Deus teve seu motivo pra nos mandar a enchente. Minha filha meteu um par de chifres no marido, mas foi vontade Dele. Ele sabe o que faz, Ele tem um plano pra cada um de nós, blá blá blá... Não sei quanto a vocês, mas eu não me apegaria tanto assim a alguém que deixa tanta quizumba acontecer conosco. Assim ele parece mais um lorde Sith, que um pai compreensivo.

Mas quem sou eu pra mudar a maneira de pensar dessas pessoas?

Eu compreendo que muita gente que vive em situação subumana tem somente a Ele para lhes trazer conforto e forças pra encarar mais um dia, mas há de se concordar que a religião é o maior atravancador do progresso da humanidade. Pensem em quantas curas deixaram de ser encontradas por causa da Igreja Católica. Pensem em quantas guerras foram e continuam sendo travadas em nome Dele. Em quantos pastores e padres que se consideram pilares da retidão e da moralidade, mas por baixo do pano roubam, estupram e são pegos com proxenetas de gays?

John Lennon conseguiu, mas você também consegue imaginar um mundo sem religião? Bom, sem religião, o que nós diríamos em situações embaraçosas, ou quando tudo desse errado? Convenhamos que soltar um “meu Deus do céu!” ou um “Jesus Cristo!” é mais socialmente aceitável que soltar um “Putaquipariu!”

Tenha a mente aberta para idéias diferentes das que vem escutando desde criancinha. A vida é aprendizado, não o despreze. Se pelo menos uma pessoa pensar diferente das demais, talvez daqui a alguns séculos tenhamos esquecido que Ele lá em cima “existe”.

* Colaborador do Literário

2 comentários:

  1. Fernando, que idade vc tem? Há no texto referência ao vestibular. Então, vc deve estar iniciando a juventude, certo? E já escreve bem desse jeito? Mas isso é um assombro, ou quase. Além do mais, há crítica e opinião - raras em muito adulto! Olha, ou muito me engano, ou vc logo despontará como escritor de pena privilegiada. Parabéns.

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  2. Tá aí uma coisa que não se questiona e nem se discute : Religião.
    Que cada um dê o melhor de si com o que acredita ou não.
    Seu texto está ótimo. Lúcido. Inteligente. Parabéns !

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