segunda-feira, 19 de outubro de 2009




Dá para ser simples?

* Por Aliene Coutinho


Aos 50 anos ele finalmente encontrará o cantinho dos seus sonhos. Uma casa pequena de dois quartos, sala, cozinha, banheiro, varanda, típica do interior, de telhado vermelho, sem eira, nem beira, como os antigos chamavam a moradia dos mais simples. Estava pintada, limpinha e no quintal tinha goiabeira, bananeira, coqueiro e um poço para guardar a água da chuva. Se apertasse os olhos ele enxergava, depois do cercado, um córrego que cortava as pedras que ficavam ao pé da serra que cercava a região. O vizinho mais próximo morava a quase um quilômetro. Só se ouvia a natureza. Parecia poesia, ou um quadro de Poteiro, colorido, simples, quase rústico que o levava a pensar em suas raízes, no avô, bisavô, que com certeza cresceram em terras como aquelas.

Há um ano ele estava bem longe dali. Morava em uma cobertura de quatro quartos, num dos bairros mais chiques da capital do País. Tinha carro importado, e as paredes do apartamento ostentavam quadros de muitos artistas consagrados, estrangeiros e nacionais. Ele investia quase tudo que ganhava em obras de arte. Trabalhava em uma grande empresa, ganhava muito dinheiro e também colecionava diplomas: dois de graduação: administração e direito, algumas pós-graduações, inclusive na França e nos Estados Unidos, sem falar em Mbas. Gostava de ler, falava fluentemente inglês, francês e espanhol, e antes de mudar estava aprendendo mandarim. Era um homem da cidade.

Um belo dia olhou para trás. E nada viu. Apertou mais ainda os olhos. E nada viu. Não tinha filhos, nem mulher. E muitos dos que o cercava não poderiam ser chamados de amigos. A família estava longe, mal se viam, ou se falavam. Os pais morreram e os irmãos se espalharam pelo mundo. Andava estressado, sem vontade de voltar para casa chegava a trabalhar até 12 horas por dia, estava mal-humorado, e insone passou noites caminhando pelas salas da cobertura tentando descobrir o que faltava em sua vida. E foi numa dessas noites sentado a frente de um original de Antônio Poteiro, de casinhas coloridas, homenzinhos vestidos para o bumba-meu-boi, e outros como soldados, cercados de muito verde, decidiu mudar de vida. Queria o que houvesse de mais simples.

Assim foi se desfazendo de tudo que tinha. Ele começou vendendo os móveis, tvs de plasma e outros eletrodomésticos, coisinhas da modernidade como Ipods, mp3, mp4, computadores, depois os quadros, os carros, o apartamento. Doou uma parte para um abrigo de velhinhos, o resto ele colocou na poupança. Ao sair do banco não pôde deixar de rir ao pensar na pouca rentabilidade do investimento, e ao mesmo tempo, no risco de um outro confisco. Mas, é assim que fazem as pessoas mais simples. No mapa do Brasil, escolheu uma das cidades onde viveram seus antepassados: Ingá, no agreste paraibano, conhecida pelos vestígios de civilizações pré-históricas marcados nas pedras Itacoatiara – museu rupestre a céu aberto. Uma volta ao passado, às origens, que ele escolheu fazer por conta e risco.

Com pouco dinheiro no bolso, fez a viagem de Brasília a João Pessoa de ônibus. E de lá, mais 80 quilômetros até Ingá. Escolhera a casa mais isolada, longe do centro do município de cerca de 17 mil habitantes. Comprou em um armazém algumas ferramentas para fazer uma horta, utensílios de cozinha, lençóis e tolhas. Providenciou cama, rede, estante para os poucos livros que trouxera. Em uma manhã arrumou a casa nova, deixou para desfazer a mala por último. No fundo dela estavam os diplomas, e enrolada num pedaço de cetim uma tela do Poteiro, que ele pregou direto na parede da sala. Os diplomas, esses eles deixou dentro da mala, embaixo da cama, de onde sem fazer muito esforço, ele via da janela uma vida bem diferente para viver.

* Jornalista, professora de Telejornalismo do Instituto de Ensino Superior de Brasília – IESB.

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