sexta-feira, 21 de agosto de 2009




O camisa 12 do Sport

* Por Urariano Mota


Os jornais de Pernambuco gritaram nas manchetes para a batalha da noite: O jogo da vida! Agora vale a classificação! Uma vitória para a história! Mas não só os jornais da aldeia, reconheçamos. No frio Sudeste, os titulares da notícia também apontaram: Sport tenta fazer história contra o Colo Colo na noite desta quarta-feira. E acrescentaram: “A equipe do Sport terá um jogo de vida ou morte contra o Colo-Colo, do Chile, nesta quarta-feira às 21h50 na Ilha do Retiro”. Mas, é claro, nas palavras dos jornalistas de outras cidades nada houve que se comparasse a estas de um imparcial repórter do Recife:

“O feito será histórico. Ao consegui-lo, todo e qualquer rubro-negro do Sport poderá bater no peito e dizer que seu time está entre os 16 melhores da América. O presidente Sílvio Guimarães, o capitão Durval, dona Maria José e os milhares de anônimos da geral, arquibancada e cadeiras....”.

É sobre esse anônimo com sua aura, calor ou magia, sem o qual nenhum time existe, que desejo falar. Ele, o torcedor, se revelou para mim no primeiro jogo do Sport, contra o Colo Colo no Chile. Eu não fui a Santiago, mas pude ver a partida em um bar, em pé, ao longo de um balcão em Olinda. Para terem uma idéia da importância do feito, eu perdi, saí de um show dos Demônios da Garoa, de graça, no exato instante em que os endiabrados cantavam Iracema. Mas não perdi este retrato: no bar, todos torciam. Todos. Garçons, televisor, clientes, garrafas, copos, colheres, rua, garfos e urras. Antes do apito, um cidadão junto a mim, a quem jamais eu havia visto, começa a sua confissão sem me olhar, com os olhos fitos na tela.

- Meu Deus, eu devia beber um coquetel de Lexotan. (Os times vêm para o centro do campo, e por isso recebo uma cotovelada.) Pra mim, o Sport é mais importante que o amor.

O barulho no Caldinho da Codorna é muito grande e alto, e por isso julgo ter ouvido mal.

- Melhor que o amor?! Por quê?

- Por que transcende.

Mais uma vez julgo estar muito mal das ouças. Tem muita buzina lá fora, é 18 de fevereiro, estamos na semana antes do carnaval em Olinda, a tensão é imensa e, não sei por que razão, até a cerveja e a cachaça não fazem efeito, evaporam-se. Por isso, mais uma vez pergunto, achando estranha a transcendência naquele contexto:

- Trans-cen-de, é isso? Por que transcende?

E o torcedor com as mãos, como reforço da definição do transcende:

- Porque vai além, é muito além do amor. É o Sport.

Volto para a telinha. As cores vermelha e preta cintilam, brilham, ofuscam. Há uma figura de leão em pé, a segurar um escudo nas camisas, um rumor surdo a correr todos os lugares, uma respiração suspensa e coletiva. Por Deus, então entendo bem o que é transcender. Compreendo o que o camisa 12 quis dizer. Pelo menos durante estes únicos e inesquecíveis 90 minutos de êxtase e agonia, o Sport transcende. Então Ciro faz um gol. Sport 1 a zero. Então Ciro dá um passe para Wilson. Sport 2 a zero. Então eu, este torcedor equilibrado, que só deixou de ver Os Demônios da Garoa, que só deixou de ouvir a música da infância

Iracema, eu nunca mais te vi
Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema meu grande amor foi você

Então eu perco a razão e grito em coro, Cazá, Cazá, Cazá, a turma é mesmo boa.... Sport, Sport, Sport. O garçom pula, a tevê grita, os carros buzinam, a noite de Olinda vira dia. O jogo termina, Sport 2 a 1. Todas as contas se pagam na maior felicidade.

No outro dia é que noto uma falta. Entre todos os clientes, copos, cadeiras e garrafas havia um torcedor que não era rubro-negro. Eu fiquei sem a minha carteira. Mas aqui pra nós, pela vitória do Sport, francamente, achei barato.


* Jornalista e escritor

3 comentários:

  1. Esta crônica veste direitinho a camisa-nota-10 da minha seleção. Parabéns pelo tento, Urariano.

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  2. Muito feliz o paralelo que você estabelece entre o futebol e o amor. O jogo é o que faz parte, e é sempre o coração a ficar ferido, tanto diante da derrota do nosso time, como diante dos fracasos no amor. Só que a derrota de um time não deixa marcas, enquanto as derrotas no amor...
    Parabéns, Urariano!

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  3. Que saudade dos jogos do Mineirão, no tempo em que o Atlético jogava bem. Vi por lá um jogo também internacional entre o Flamengo e o Cobreloa. Nem sei que campeonato era esse. Será que me desmemoriei? Não sei em que curva do caminho eu perdi a paixão pelo futebol. É muito estranho mudar de objetivos. Quantas vidas vivemos? Sobre o Sport, perder a carteira foi pouco diante de tamanha glória. Revivi alegrias passadas, Urariano.

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