sábado, 20 de junho de 2009


Rio Marginal

* Por Celso Villaça

Este rio, puro,
de lua branca,
nua.

Este rio, grosso,
passo lerdo,
escamoso.

Porque às margens
famílias famintas
encalham.

sob a lua branca
sob o fino orvalho.

Este rio corre
como um sangue lasso,
deixando pedaços.

Urubus repartem
a sorte que a morte
deixa nas margens.

E uma lua rola,
gorda e orgulhosa,
no espelho do rio.

E as almas rolam,
vagas, famintas,
junto ao corpo do rio.

Negras flores voam,
as únicas flores
voantes do rio.

Mas que flores estas,
rezando baixinho
por um corpo no rio.

Vértebras cabanas
desenham a fome
de ossos do rio.

Não a fome urgente,
mas a do paciente
estômago do rio.

Vértebras cabanas
perfilam humanas
formas doentias.

Pagam aluguel
no ar que respiram,
ar que vem do rio.

E o rio fica em tudo,
em cima do poste
atrás do quintal.

Um rio infinito,
encobrindo toda
a esperança das margens.

De manhã, bem cedo,
tudo se levanta,
inclusive o rio.

E de suas águas
já sem lua, canta
a miséria do rio.

Flores negras traçam
vivos ramalhetes
no barro do rio.

E uma cor em barro
se mistura ao sangue
das margens do rio.

Tudo repetindo
o refrão arcaico
da fome no rio.

Para que uma lua
dance gorda e nua
quando a noite chega.

Para que uma lua
disfarce, em poesia,
a fome do rio.

* Poeta

Um comentário:

  1. Maravilhoso! Que poema inspirado e bem elaborado! Uma obra de mestre que arrasta o leitor no manancial do seu talento. Parabéns!

    ResponderExcluir