domingo, 21 de junho de 2009




Eterno

* Por Carlos Drummond de Andrade

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno!
Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.
(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade
eternité
eternaltivamente
eternuávamos eternissíssimo

A cada instante se criam
novas categorias do eterno.
Eterna é a flor que se fana
e soube florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome
e lhe comuniquem
o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo
que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade
que se petrifica
e nenhuma força o resgata
é minha mãe em mim
que a estou pensando
de tanto que a perdi
de não pensá-la
é o que se pensa em nós
se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras,
eternos os pensamentos; e
passageiras as obras.

Eterno, mas até quando?
é esse marulho em nós de um
mar profundo.
Naufragamos sem praia;
e na solidão dos botos
afundamos.
É tentação
a vertigem;
e também
a pirueta dos ébrios.

Eternos!
Eternos,
miseravelmente.
O relógio no pulso
é nosso confidente.
Mas eu não quero
ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam
e não reste mais do que uma
essência ou nem isso.
E que eu desapareça
mas fique este
chão varrido onde
pousou uma sombra
e que não fique o chão
nem fique a sombra
mas que a precisão
urgente
de ser eterno
bóie como uma
esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

Um comentário:

  1. Drummond veio sem apresentação. Muitos dirão que ele a dispensa.
    Destaco os versos
    " eterno é tudo aquilo
    que vive uma fração de segundo
    mas com tamanha intensidade
    que se petrifica".
    O poeta se eternizou, assim como a sua poesia que continua a encantar.

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