quinta-feira, 18 de junho de 2009




Carro de polícia

* Gustavo do Carmo

Quando eu era criança, bebê mesmo, lembro da minha mãe, da minha avó ou da minha babá me ameaçando quando eu não queria esperar pelo médico na Ilha do Fundão (que demorava pra caramba) ou comer. Elas diziam que a polícia iria prendê-las se eu não obedecesse. E ainda requintavam a ameaça descrevendo o carro:
— A joaninha vem me pegar.
Na minha inocência de criança eu não sabia das maledicências (e também sofrimento) da polícia, que também não era como hoje. Mas não escrevi essa crônica para falar da truculência policial. Escrevi para falar das viaturas. Sim. Dos carros da polícia.
A joaninha citada no final do primeiro parágrafo era como o povo apelidava os Fuscas que serviam à polícia. E não era só no Rio. Todo o Brasil chamava o Fusca policial assim. A alcunha popular era acentuada pelo giroscópio único e redondinho com o alto-falante da sirene separado. Já naquela época a cor era diferenciada para a Militar (azul-claro) e a Civil (Preta) que eram pintadas nas laterais do carro.
Os Fuscas eram os carros de patrulha. Os veículos mais apropriados para levar meliantes no atacado eram as Veraneio, as peruas mais pesadas, precursoras dos atuais sport-utilities. Eram chamadas de “camburão”. Aqui no Rio estávamos na transição do governo do Chagas Freitas para o Brizola.
Em 1987 assumia o governador Moreira Franco. Eu já era maiorzinho e não ouvia mais as chantagens emocionais. Mas já começava a sofrer com o aumento da violência urbana no Rio vendo as viaturas em destaque nas ruas e nos telejornais locais.
Elas começavam a se modernizar. O Fusca foi substituído pelo Gol, pois, afinal, parou de ser fabricado no ano anterior. A sirene já era embutida no giroscópio que era duplo e ficava aquele trambolho quadrado e alto em cima do carro. Era o fim das joaninhas.
As veraneios antigas ainda permaneceram, com as novas sirenes, até o fim da gestão do Moreira. Quando o Brizola reassumiu em 1991 entraram em cena as novas carrocerias da Chevrolet Veraneio, e o Voyage (sedã do Gol) na Polícia Civil.
Em 1994 a Kia ganhou uma concorrência para oferecer “camburões” à Polícia fluminense, tanto para a civil quanto a militar. Pela primeira vez uma frota pública no Brasil tinha um carro importado, início de novos tempos em nossos costumes. As vans Bestas adaptadas para o serviço público foram até expostas no Salão do Automóvel de São Paulo. Mas o alto custo de manutenção tornou curta a experiência dos carros coreanos na proteção urbana. Em pouco tempo já era possível ver Bestas quebradas e crivadas de balas se arrastando nas ruas. Outras não tinham sorte e agonizavam sucateadas nas garagens dos batalhões.
No ano seguinte assumiu o governador Marcelo Allencar e os policiais puderam tirar onda patrulhando as ruas de Santana, um carro bem maior. Aproveitavam quando não eram fuzilados pelos traficantes. A pintura já era diferente. O azul militar passou a ser mais escuro. As sirenes ficaram mais baixas e arredondadas.
Pouco antes de Marcelo sair, em 1998, os guardas ganharam mais um brinquedinho: um GPS com computador de bordo para registrar ocorrências. Todas as viaturas ganharam o gadget, inclusive as Blazers que substituíram as Veraneios.
No governo Garotinho, houve a tentativa de unificar as duas polícias. O projeto não deu muito certo. Só houve a uniformização do layout que também foi modernizado pela primeira vez. As pinturas integrais de algumas partes da carroceria deram lugar a faixas estilizadas azuis com detalhes prateados para a militar e preta com detalhes amarelos para a civil. No capô e nas portas laterais dianteiras eram destacadas num logo dourado a sigla NP de Nova Polícia. O objetivo não era apenas modernizar as viaturas, mas também dificultar (o que não era impossível) as falsificações de bandidos. Ah! Os Gols voltaram às cenas dos crimes substituindo os sucateados Santanas. Só que agora com a nova carroceria chamada de bolinha, posteriormente as da Geração 3. As Blazers tinham a nova frente.
Em 2003 assumia Rosinha Garotinho, esposa do governador anterior e logicamente ex-primeira dama. O layout mudava mais uma vez. As faixas curvadas deram lugar a faixas inclinadas nas cores azul/cinza e preto/amarelo no meio da lateral da carroceria. Nos pára-lamas laterais a inscrição Polícia em itálico. Ficou mais fácil de falsificar.
Os Jogos Panamericanos já foram realizados durante o primeiro ano do atual governador Sérgio Cabral. Aliado do presidente Lula, ganhou o apoio do governo federal para cuidar da segurança durante o evento esportivo. Por isso, o comitê organizador ganhou Palios Weekend e Fiats Ducato com a faixa semelhante ao atual layout, mas na cor laranja e com a inscrição Pan-2007. A Força Nacional de Segurança tinha Nissans XTerra algumas escuras com a faixa laranja outras com pintura de soldado camuflado.
Depois dos jogos as viaturas da Fiat foram aproveitadas pela polícia e as Nissan permaneceram com a Força Nacional de Segurança, que é acionada a cada calamidade pública divulgada pela mídia.
Algumas Palios receberam a pintura azul, mas são mais vistas no interior do estado.
Este ano estreou a primeira novidade do Governo Cabral: a frota terceirizada. O objetivo é evitar o sucateamento das viaturas, pois a empresa ganhadora da concorrência se tornou responsável pela manutenção e obrigada a ceder novos veículos em caso de perda total.
Eu não saberia disso se eu fosse criança. Só repararia na nova pintura: com o azul vindo do teto e se prolongando até o capô, uma faixa cinza curvada e o branco na parte inferior.
Nesses anos fui percebendo que a cada troca de governo há uma novidade no visual das viaturas da polícia fluminense. Já há Blazers com a nova frente e futuramente veremos os Gols da nova geração. Já tem até Renault Sandero desfilando com autoridade policial civil, com a pintura preta e branca ondulada. Um Astra Sedan fardado de azul militar presta atendimento aos turistas, enquanto os cidadãos do subúrbio só dispõem dos Gols populares.
Na aparência a segurança pública se modernizou. Só falta agora nos dar proteção de verdade (e os bons policiais se protegerem também). Porque, do jeito que está, além de continuarem alvos dos bandidos, atirar na mamãe, na vovó, na babá e no neném não será mais uma simples chantagem emocional.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.


Um comentário:

  1. De inventário de carros da polícia, chegou quase a uma monografia: coisa de homem. Chame uma mulher para falar dos carros da polícia. Acredito que não passará de um parágrafo. O detalhamento me surpreendeu bastante. Mesmo sendo um gênero motorizado, poucos homens saberão tanto sobre esses carros. Didático.

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