terça-feira, 19 de maio de 2009




“Ninguém sabe o duro que dei”

* Por Fábio de Lima

Sábado à tarde fui ao cinema. Sim, caro leitor amigo, eu vou ao cinema à tarde – dificilmente vou à noite. Costumo usar a noite para dormir. Sei o que a maioria vai pensar: coisa de velho! Bem, se de velho ou não, meu costume é ver filmes durante o dia e dormir durante a noite. Gosto assim e dane-se a oposição!

Fui assistir ao documentário “Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei”. Alguém no Brasil não sabe quem foi Wilson Simonal? Com toda a certeza do mundo! Os mais velhos – que foram jovens nos anos 1960 – sabem muito bem quem foi aquele cantor negro, alto, de voz aveludada, cheio de ritmo e metido a branco, como muitos diziam. Já quem nasceu depois dos anos 1960, quando muito, pode ter escutado falar alguma coisa sobre um “pilantra” chamado Wilson Simonal.

O fato é que nos anos 1960 Wilson Simonal era um cantor famoso no Brasil e notório no exterior. Ele era rico, bonito, se vestia bem e tinha um papo que fazia qualquer pessoa – fosse homem ou mulher – se encantar com aquele artista brasileiro, que era exemplo do pobre que venceu na vida. Ele chegou lá no alto.

Até que um dia, no começo dos anos 1970, Wilson Simonal, por uma série de circunstâncias, foi apontado como homem de direita – artista ligado ao exército brasileiro e, principalmente, dedo duro – que entregava os colegas artistas de esquerda aos militares. Vivíamos uma época difícil de ditadura. Ou você era de direita ou de esquerda, não havia centro.

Foi nessa mesma época, e não por acaso, que Wilson Simonal descobriu que não estava tão rico como pensava, muito pelo contrário. Sua situação financeira era difícil diante dos gastos que constantemente ele tinha para manter aquele status de ricaço. Os ventos que conduziam a vida de Wilson Simonal estavam mudando e aquilo era só o começo dos problemas que o levaram ao ostracismo, ao alcoolismo e à morte.

Wilson Simonal passou, a partir dos anos 1970, a ser uma das pessoas mais odiadas do Brasil. Na verdade, não sei dizer se era ódio, mas, com certeza, era nojo. Sim, caro leitor amigo, o Brasil tinha nojo de Wilson Simonal. E foi assim por muitos anos. Nem o boteco da esquina queria aquele dedo duro, filho de uma puta, para cantar. Wilson Simonal não era mais cantor e sim ex-cantor. Ele era um passado vergonhoso para o País, na cabeça de um monte de gente – de um monte de gente importante, pelo menos.

Isso me faz lembrar o início da República no Brasil. O tempo em que fizeram de tudo para que Dom Pedro II, um dos homens mais inteligentes e cultos que o Brasil teve em mais de 500 anos de história, fosse visto como um velho bobão que dormia sentado e não tinha pulso firme para lidar com ninguém que o rodeava. Sim, Dom Pedro II que, em sua época, fez do Brasil um País respeitado no mundo todo. Bem, mas essa é outra triste história brasileira e meu negócio aqui, hoje, é falar de Wilson Simonal.

Durante mais de 20 anos, a mídia brasileira e os próprios artistas jamais sentaram para escutar as explicações de Wilson Simonal. Ninguém se interessou em averiguar o seu lado da história. Julgaram ele culpado e ponto final. E Wilson Simonal foi morrendo lentamente, entre uma dose e outra de álcool, entre a vergonha e a humilhação de ser quem ele era, mesmo que aquilo não fosse vergonhoso para ninguém.

Wilson Simonal morreu de cirrose hepática, derivada do alcoolismo, no ano 2000. Na época, já era meio consenso que ele nunca tinha sido do time dos militares assassinos – um dedo duro ou coisa que o valha. Mas o tempo já era escasso e ninguém mais queria saber de Wilson Simonal, nem ele mesmo. O Brasil é assim. O Brasil sempre foi assim. E agora, mesmo com os filmes, com os livros, e toda a teoria que se possa criar para redimir os fatos – ninguém saberá mesmo o duro que deu Wilson Simonal, com todas as virtudes e todos os defeitos, para ser Wilson Simonal. Ninguém!

* Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

4 comentários:

  1. Bravo, caro Fábio, pela defesa honrosa de um dos nossos maiores cantores, o dono do maior swing do país. O problema foi que ele falava de racismo numa época em que a maioria não acreditava nisso e priorizava o debate ideológico: sim, o marketing de então passava pelo esquerdismo. A maioria embarcou nessa, mas Simonal ... Simonal serviu de bode expiatório a uma conjuntura que precisava de inimigos para se excitar e criar. Quem se dizia perseguido desfrutava de imediato prestígio. Pois, foi o que aconteceu: demonizaram o coitado!

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  2. O preço é alto para quem fala o que pensa,num mundo que nivela por baixo.
    O ser humano, Fábio, é maledicente. O ser humano é cruel.
    Muitos sentem um prazer sádico de ver o outro no buraco. Ajudar ? Que ajudar o quê. Como se diz popularmente : " Farinha pouca, meu pirão primeiro."
    Simonal tinha carisma, era rico e um exemplo do pobre que venceu na vida. Um prato feito para o apetite voraz dos invejosos.
    Gostaria de ver o documentário ! Triste. Muito triste.
    Continue indo ao cinema de tarde. O importante é fazer o que se gosta, sem precisar se justificar.
    Beijos outonais .

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  3. Menina ouvi Simonal cantar. Depois ele desapareceu e surgiu com a versão irresponsável que o matou.Triste que destruam um talento assim.Mais triste calar seu canto.Parabéns por ajudar nesse resgate, Fábio! Irei assistir.
    Bjs

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  4. Olha Fabio, esta é uma historia que incomoda. Gostaria muito que ela fosse totalmente esclarecida, porque se dedurou os companheiros, mereceu passar por tudo que passou, mas e se tiver sido inocente?
    Gostaria muito de ver essa historia totalemnte esclarecida, porque carregar o peso de uma calúnia é muito doloroso. Será que alguém tem provas que esclareçam de vez a historia?

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