quinta-feira, 21 de maio de 2009




Lance fatal

* Por Renato Manjaterra

Um único lance, isolado, de escasso um minuto de duração ou menos, pode decidir (e não raro decide) uma partida de futebol (ou de qualquer outro esporte). Um único episódio, por seu turno, ao qual, via de regra, não damos o devido valor, às vezes decide uma vida. Torna-a grandiosa e cheia de realizações ou pífia, vazia, sem rumo ou sentido. Ou, até mesmo, extingue-a, precoce e liminarmente. Faz, dessa forma, de pessoas com excelente potencial, perdedoras. Isso acontece todos os dias diante dos nossos olhos e sequer reparamos. Só o fazemos, quando os personagens dessas comédias e tragédias do cotidiano somos nós.
Isso é o que fica implícito neste novo e instigante livro de contos do jornalista gaúcho, radicado em Campinas, Pedro J. Bondaczuk, cujo título, por si só, é emblemático: “Lance Fatal”. Uma das características deste escritor, que revela maturidade a cada nova obra que produz, é o fato de ter o futebol – mania, declarada ou insinuada, quando não obsessão, da maioria dos 190 milhões de brasileiros – como pano de fundo, ou como cenário principal, ou, em alguns casos, como palco subsidiário.
É estranho que esse esporte, que mobiliza multidões, que desperta tantos sonhos e fantasias na juventude e que movimenta milhões de reais, seja tão pouco valorizado pela grande maioria dos escritores. É como se não existisse. Falar de Brasil, todavia, e não mencionar essa paixão nacional, é fugir da nossa peculiar realidade.
O futebol está presente na vida de Pedro J. Bondaczuk, um apaixonado pela Ponte Preta (e isso não é segredo para ninguém), o time de maior tradição no Brasil, com quase 108 anos de existência. E aparece com destaque, portanto, nos quatro contos que integram este livro. Na história que lhe dá título, é o principal foco do autor. Em “Como é grande!”, é o cartão de visitas para o adolescente caipira, nascido e criado em uma colônia de fazenda e que nunca havia pisado em uma cidade, mesmo que pequena. Em “Dia de glória”, aparece como fator que, mesmo que somente de forma eventual e episódica, elimina o profundo e virtualmente intransponível abismo social que separa pobres de ricos, num país, tido e havido, como dos mais injustos e excludentes do mundo. Finalmente, em “Círculo Vicioso”, é utilizado para identificar determinado dia em que o fato narrado aconteceu. Ou seja, o da decisão de um Campeonato Paulista.
Outra característica de Pedro J. Bondaczuk é a perícia descritiva. Concentra-se não tanto nos cenários, mas nos atores das comédias e tragédias que narra. Seus personagens centrais são todos pessoas simples, do povo, às voltas com algum tipo de desafio. São verossímeis, encontráveis a todo o momento nas ruas, praças, avenidas etc. das pequenas e grandes cidades deste país-continente. E todos, de alguma forma, empreendem algum tipo de busca que lhes é essencial.
Prenda, por exemplo, em “Lance fatal”, sai à cata do resgate da sua dignidade e amor próprio, esforçando-se, além do seu limite físico, para a feitura de um gol salvador. Ciro, em “Como é grande!”, descobre que o mundo é muito maior do que sua limitada imaginação poderia supor. João, em “Dia de glória”, sente-se o supra-sumo da capacidade por haver escolhido para torcer o time que foi, mais uma vez, campeão. E Josenildo, em “Círculo Vicioso”, busca exorcizar, em vão, seus fantasmas e demônios interiores, num dia em que parte da cidade de São Paulo (a maior) lamentava a perda de um título, enquanto que outra parte, bem menor, celebrava, com júbilo, a conquista.
Como se vê, embora as quatro histórias sejam, aparentemente, independentes umas das outras, autônomas, com início, meio e fim próprios, sem que uma tenha nada a ver com a outra, são, na verdade, interligadas. Todas sugerem, em seus respectivos desfechos, a existência de algum lance fatal, que muda vidas e até as suprime.
Trata-se, pois, de um livro para se ler num único sopro, da primeira à última página, sem qualquer interrupção. Mas, ao contrário do que geralmente fazemos, quando se trata de ficção, “Lance fatal” não deve ser abandonado num canto qualquer de uma prateleira após a leitura. Tem, isso sim, que ser relido várias vezes, analisado, refletido, por conter preciosas lições de vida.
Prepare, pois, o seu espírito, caríssimo leitor, para essa insólita e deliciosa aventura. Relaxe, mantenha a mente aberta e o espírito atento para penetrar na alma do nosso povo. E, feito tudo isso, boa leitura!

* Jornalista.

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