quarta-feira, 29 de abril de 2009




No pasarán!

* Por Daniel Santos

Chegou, afinal, a vez dos gordos. Alguma surpresa? Não, se levarmos em conta que este mundo oscilante entre obesidade e anorexia procura um inimigo, haja vista a quantidade de câmeras por toda parte!

Os tempos são de paranóia – a impossibilidade de comunicação. O próximo é um estranho, suspeito de algo terrível ainda a ocorrer. Pois, então, sorria, você está sendo filmado. Aliás, sorria sempre, conformista.

Não bastasse o agressivo cerco aos fumantes, querem pegar também os gordos. Mas é claro! Como suportar excessos num mundo que consagra o nanismo, a contenção, o três-em-um, o fast-food sem sabor?

No entanto, por outro lado, multiplicam-se programas culinários na tevê, receitas econômicas tipo vapt-vupt, dietas miraculosas. E tudo para o seu bem, que fique claro. Todos querem o seu bem-estar e tranqüilidade.

Daí, a promissora indústria da segurança: chaves, cadeados, fechaduras duplas, alarmes, câmeras sintonizadas ao celular que mostram tudo na net ... Mas não, não fique nervoso, senão você come e engorda.

Se engordar, perderá aquela imagem agressiva e não encontrará emprego. Ademais, pagará um extra na passagem de avião, embora sem direito a esse extra no seguro, porque você é gordo e não tem direitos.

Você é lento num mundo aflito, compulsivo. Você descende de Dioniso, que pregava o êxtase. Algumas taças do tinto, e pronto! Agora, ecstasy e viagra (quando não, crack!) – ícones da tal “modernidade”.

Agora, é sorrir, sorrir muito e obedecer, procurar se manter nos trilhos, cordato. A coerção está bem disfarçada, glamurizada até!, e reforçada por estatísticas médicas, pois todos querem o seu bem.

Emagreça, pois. Fácil. Repare na esbeltez dos soldados, terroristas, mercenários. Sua silhueta nem se deve tanto à rigidez da disciplina. Não, não. É que eles aprenderam a pegar em armas. Considere isso. Hein?

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

5 comentários:

  1. Uma crõnica perfeita sobre os ícones da atualidade, Daniel. Essa é a "vida comercial de margarina" que a mídia impõe e ainda exige que se "engula" sorrindo. Parabéns e abraços.

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  2. Trinta anos de experiência ouvindo gordos dizer que não comem -medão uma gama de histórias. Apreciei a listagem de contradições da nossa época. É ou não é para ficarmos magros? Deu trabalho pra você lembrar-se de tudo, mas foi divertida a leitura. Gostei da sua faceta humorística, já que se mostra algumas vezes aparentemente sisudo, e pouco afeito a temas engraçados. Queixo-me de não saber escrever com graça. Assim, faço aqui a "mea culpa".

    Reparo: não tenho visto um incentivo social ao nanismo, pelo contrário, todos querem ser gigantes.

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  3. Devo ter errado, cara Mara. Ao escrever nanismo, tinha em mente a nanotecnologia, essa tendência à diminuição das coisas. Espero não ter escrito errado. No mais, obrigado pela crítica. Nesta crônica, fui jornalista, daí a facilidade de comunicação. Às segundas, vigora o escritor - ou essa é a pretensão.

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  4. Eve, obrigado pelos cumprimentos. O atual problema do gordo é igual ao de tantas e tantas categorias, grupos, classes. Neste mundo de excluídos, não nos querem! Quem não se agarrar com o próprio espírito, com a própria personalidade, quem não empreender o próprio desejo, que se cuide: a mediocridade arrasta a todos. Mas acho que vc e eu, pelo menos, estamos salvos, né?

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  5. Daniel, gostei muito desse seu lado jornalista, e valorizo também o de escritor.

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