segunda-feira, 27 de abril de 2009




Dervixe


* Por Daniel Santos



Nos primeiros combates, a bravura, o entusiasmo, a certeza de superioridade. Depois, a barbárie. Soldados e prisioneiros erravam pelas estradas como mendigos de olhar ausente. Mas houve quem se salvasse.

Viviam a véspera da insânia, mas a intuição encaminhou-os ao melhor endereço: um galpão de zinco no meio da mata, onde trocava-se a angústia pelo êxtase, porque podiam ali dançar à exaustão, sem censuras.

Dançar, sim, dançar. Dançar muito, rodopiar até expulsar de si a loucura, graças à força excêntrica. Desabavam, então, esgotados e podiam chorar o alívio de tamanha purificação. E, aí, voltavam a suas casas.

Nem desertavam. Ao perceberem neles o embaciamento do olhar, sintoma da perdição, expediam-nos. Além de inúteis para as iniqüidades da guerra, podiam contagiar os outros. Então, sobreviria a paz!

Nesse sentido, perigosos. Por isso, tomavam a estrada até darem naquele galpão que, na certa, um primeiro louco inaugurou. Alguns riram de tanta insensatez, mas salvou-se quem entrou na roda e dançou.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

6 comentários:

  1. Porque a arte, meu caro, é um dos suspiros da dor. Belo texto.

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  2. Dançando para não " dançar". Alivia o estresse.
    Gostei.

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  3. Salvos pela loucura. A salvação veio pela exaustão mental, após a deterioração física. Não vejo alegria num gesto extremo assim. Ou então não entendi como deveria.

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  4. Não há alegria, mas alívio dentro da loucura.

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  5. Da guerra não me espanta nenhuma loucura, mesmo que seja boa, meu amigo Daniel. Um abraço.

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  6. Dança quem não se rende ao balé dos insanos. E monta guarda, em continência, acreditando que há na guerra alguma causa a defender. Dancemos todos, e tontos de rodopios, fiquemos em paz. Eu entrei no filme do seu texto. Estive lá agradeço, mestre.

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